A
começar pelo fato de que, uma das inspirações de Bert Hellinger, para criar a
técnica das Constelações Familiares, veio do povo africano Zulu, com o qual ele
teve contato e conviveu durante a época em que era missionário católico na
África do Sul.
Nas
palavras do próprio Bert Hellinger:
“Primeiramente, o respeito que eles (os Zulus)
mostram por seus pais. Isso me impressionou muito. Também a segurança com que
as mães lidam com seus filhos era impressionante. Dificuldades com filhos é
algo que não conhecem. Simplesmente sabem do que as crianças precisam. As mães
eram sempre dedicadas. Outra coisa que tomei de lá foi o respeito diante do
próximo. Lá cada um pode preservar sua reputação. (...) O importante para mim
foi sempre o crescimento interno. Minha experiência na África contribuiu
grandemente para isso”. – B e r t H e l l i n g e r - “U m L u g a r p a r a o s E x
c l u í d o s”
O
respeito e reverencia à ancestralidade, o direito de pertencimento ao grupo por
parte dos indivíduos e a importância e ênfase dada às trocas e à reciprocidade
são elementos que caracterizam não apenas aos Zulus mas a muitos outros povos,
culturas e tradições primigênias (ainda chamadas por alguns de primitivas), que
seguem com esses valores fundamentais que, quando são suprimidos, os atira em
profundas crises de caráter ético e moral, levando à confusão da identidade
individual e coletiva.
É
preciso que se diga que os fundamentos do inovador processo terapêutico de
Constelação Familiar Sistêmica, de Bert Hellinger, são encontrados e caracterizam
a tradição e a cultura de muitos povos! Ao estabelecer as chamadas “Leis do
Amor”, Bert Hellinger não inventou a roda, mas criou um veículo perfeitamente adaptado
(e necessário) às pessoas do mundo globalizado.
Nas Constelações
Familiares, é o terapeuta, também chamado de constelador, que se coloca a
serviço e que, por meio da técnica, segue um roteiro pelo qual o Sistema
Familiar do cliente (ou constelado), o Campo, irá se manifestar. Nos povos “antigos”,
quem assume essa função é o ou a xamã!
Detentor
de muitos saberes, contador de histórias (Bert Hellinger é grande apreciador do
recurso terapêutico e pedagógico das histórias), especialista e profundo
conhecedor dos meios para se alcançar a cura e reestabelecer a saúde, seja no âmbito
físico, espiritual, emocional ou psicológico, o xamã (ou a xamã) buscava por
diferentes recursos reequilibrar e harmonizar o que está fora de ordem. Ora, e
um dos objetivos das Constelações Familiares não é exatamente esse? Identificar
que Ordem do Amor foi transgredida, gerando um desequilíbrio no Sistema
Familiar e na vida da pessoa e buscar, por meio da técnica, reequilibrar esse
Sistema! Colocar em Ordem o que está desordenado!
As Leis
ou Ordens do Amor de Bert Hellinger podem ser sintetizadas assim:
1-
Pertencimento:
todo indivíduo tem o direito a pertencer ao Sistema, portanto todos devem ser
incluídos.
2-
Hierarquia:
os mais antigos vem primeiro, os mais novos vem depois.
3-
Equilíbrio
entre Dar e Receber: o balanço dinâmico e harmônico nas trocas e nas relações.
Quando
alguma dessas Ordens é transgredida, surgem problemas e enfermidades.
O mesmo
se vê no processo de cura do xamanismo e em tradições e culturas ancestrais!
Para
muitas tradições, o direito de pertencimento, a primeira Ordem do Amor, é
primordial e para alguns povos, a identidade coletiva, a comunidade,
sobrepõe-se ao indivíduo! Algo que pode soar até mesmo estranho em uma época
tão individualista como a que vivemos!
Além
disso, predomina em muitos povos nativos o caráter inclusivo que se sobrepõe à
exclusão. No âmbito espiritual, por exemplo, a aceitação do cristianismo por
muitas tradições ameríndias e africanas foi relativamente fácil por seu caráter
inclusivo, o que contrastava e se chocava com o excludente dogma do monoteísmo
ético e de uma religião de verdades absolutas, princípios propagados e
defendidos até mesmo por meio da violência por parte dos zelosos responsáveis
por evangelizar e converter milhares de seres humanos à “verdadeira fé”, no
caso, o cristianismo.
A qualidade
inclusiva dessas tradições e povos se fez presente, apesar da brutalidade do
processo de conversão, nos fenômenos da mestiçagem e do sincretismo, algo muito
comum nos países latino-americanos por exemplo, onde os santos e entidades
católicos encontram seu análogo em divindades pré-colombianas ou africanas. Somente
tradições inclusivas poderiam adotar o culto às Mamachas Andinas (associação da
Virgem católica às Montanhas Sagradas e à própria Pachamama, a Mâe Terra dos
índios) ou à identificação dos Santos da igreja com os Orixás africanos.
Já a
Hierarquia, a segunda Ordem do Amor, apresenta-se com muita força e vigor no
respeito, reverência e, em alguns casos, culto aos ancestrais. Desconheço uma
cultura tradicional que não apresente essa qualidade! Para muitos povos nativos,
o que os mais velhos dizem assume o caráter de lei. Em algumas culturas, os
ancestrais são tão respeitados que continuam, mesmo após a morte, a participar
ativamente da vida cotidiana dos vivos! Em algumas culturas pré-colombianas, os
mortos eram mumificados e participavam de eventos sociais, cerimônias e até
mesmo julgamentos e conselhos de guerra! Outro exemplo fascinante encontra-se
na colorida e alegre Festa do Dia dos Mortos em países como o México, onde os
ancestrais são convidados a se banquetear junto com os vivos.
Quanto
ao equilíbrio entre Dar e Receber, a reciprocidade encontra-se como um princípio
ético e um dever em muitas culturas e povos. No caso do xamanismo, esse fundamento que norteia as relações não é
exclusividade dos seres humanos, mas alcanças a relação com todos os seres,
reinos e dimensões, como diz a expressão indígena Lakota: “Mitakuye Oyasin - Por Todas as Nossas
Relações”.
Um exemplo muito interessante é a
continuidade desse princípio de reciprocidade que perpassou sucessivas
civilizações, culturas e povos no decorrer dos milênios na América do Sul. Na
época dos inkas, a última grande civilização pré-colombiana sul-americana, esse
princípio era chamado de Ayni. Ainda hoje é um dever ético e uma obrigação para
as comunidades tradicionais andinas e membros dessas comunidades praticarem o
Ayni, a reciprocidade, hoje eu lhe ajudo, amanhã serei ajudado! Graças a esse
princípio, grandiosas civilizações se levantaram e prosperaram, mesmo nas
condições mais adversas (o que é o caso da extensa região andina).
Mas ao
invés de diminuir a contribuição de Bert Hellinger, reconhecer que as Ordens do
Amor já eram conhecidas e respeitas há milênios e que, em nosso desequilibrado
mundo moderno, elas se fazem necessárias e urgentes, traz mais força e valoriza
a contribuição desse genial terapeuta, filósofo, poeta e pedagogo alemão. O
mundo hoje clama por Ordem!
E se
para muitos, a prática do xamã ainda encontra-se no âmbito das crendices e superstições,
o caráter científico presente na pesquisa e técnica das Constelações Familiares
apresenta-se aceitável para muitas pessoas, tantas que atualmente a técnica de
Bert Hellinger está em quase todo o Planeta!
Por
vezes a aproximação é grande e tornam-se tênues os limites e separações entre
uma sessão de Constelação Familiar e práticas espirituais e espiritualistas (o
próprio Bert Hellinger pratica, assim como muitos outros consteladores a chamada
“Constelação do Espírito”), e isso não é negativo, afinal um dos princípios da
Constelação é a inclusão e seria incoerente excluir o espiritual.
Nessa
perspectiva, a sabedoria e técnicas das antigas tradições, o xamanismo, pode
contribuir e muito com as Constelações! Há muitos pontos de convergência e onde
abre-se uma lacuna de uma das técnica, a outra apresenta-se para a complementar.
É muito
interessante o fato de que no xamanismo sempre encontramos altares com uma grande
variedade de objetos e instrumentos de poder. Ora, em muitos altares xamânicos,
esses objetos tornam-se uma representação simbólica do universo, do cosmos, nada
mais sistêmico!
Para o
xamanismo, o universo é sistêmico e absolutamente tudo encontra-se interligado,
como se todo o universo fosse como uma teia de aranha, ou se preferir, o Campo
Morfogenético de Rupert Sheldrake.
Por ser
inclusiva, a técnica das Constelações Familiares Sistêmicas apresenta-se
flexível e permite a complementaridade de outras técnicas e práticas, sendo o
xamanismo um recurso a oferecer inúmeras possibilidades.
Para
tanto, é necessário equilíbrio e sobriedade para que o caráter científico das
Constelações Sistêmicas não seja sobrepujado pelo caráter mágico do xamanismo e
nem que o científico engesse ou negue a magia.
Mas que o terapeuta e
a Terapia de Constelações Familiares Sistêmicas devem honrar e reverenciar o
xamã e às tradições de cura e o saber ancestral, eles devem, afinal, o
xamanismo é que veio primeiro.
2 comentários:
Amei Ka! Desde o meu primeiro contato com a constelação familiar (em 1999, quando conheci Bert Hellinger em SP) eu fiquei encantada com o aprendizado que ele trouxe do Povo Zulu. Ele sempre honrou esse povo. Ele é que foi catequizado por essa sabedoria ancestral. Para mim, constelação sistemica é puro xamanismo. Você disse tudo. Abraços
Nos encontramos por aqui de novo Aho
Postar um comentário