segunda-feira, 18 de março de 2019

Crônicas da Água e da Lama II

A Água é Sagrada! A Vida é Sagrada!
Caminhamos para dois meses após o rompimento da barragem na  mina do Córrego do Feijão, o odioso Crime da VALE!
Escrevo esta segunda Crônica da Água e da Lama em um momento em que o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca, ao qual pertenço e fui um dos fundadores, se empenha em uma ação em prol da Comunidade de Casa Branca para pressionar a mineradora a cumprir a decisão judicial em que ela, a empresa, deve pagar uma verba indenizatória a todos os moradores do município de Brumadinho e de outras localidades.
A ação é uma grande mobilização para preencher os formulários, que foram elaborados com o aval do Ministério Público e anexar aos mesmos as cópias dos documentos que provam que as pessoas residem em Brumadinho para que possam ter o direito de receber essa verba indenizatória.
Em mutirão, com muita disposição e entrega, voluntários do Movimento ficaram durante o carnaval e em outros dias, em locais centrais de Casa Branca, recolhendo os formulários, dando informações e auxiliando no que fosse às pessoas da Comunidade.
Infelizmente, sem a certeza de que a VALE irá reconhecer todo esse esforço e trabalho, pois a mineradora se mostra cada vez mais inescrupulosa e imoral e já demonstrou que ela é que gostaria de controlar esse processo.
Acontece que se deixarmos por conta da VALE, sem a pressionar, corremos o risco da empresa postergar o pagamento à população e até mesmo não pagar!
Infelizmente, a VALE não é uma empresa confiável.
Mas o que mais tem me deixado perplexo nesse processo são as falas e ações de pessoas que estão buscando deslegitimar o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca por meio de mentiras e calúnias! Além do mais, estão fomentando a desunião da Comunidade!
A quem interessa isso?
É trágico ver que segue a ação oportunista de pessoas que se aproveitam e tiram vantagem de uma tragédia da dimensão da que estamos vivendo com o rompimento da barragem!
Foi insinuado que o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca era formado por pessoas que não viviam em Casa Branca, que estariam se aproveitando das pessoas e que não era confiável entregar a nós cópias de documentos, assim como dados pessoais!
Claramente havia uma intenção de gerar a desconfiança.
Mas afinal, o que é e quem são o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca?
Por volta de meados de 2010, a água do bairro da Jangada, em Casa Branca começou a vir suja, com minério de ferro, além disso, começaram a haver perfurações na região para sondagens de áreas a serem mineradas e começou a haver grande desmatamento, de grande áreas de floresta, no terreno da mineradora, vizinho à Comunidade da Jangada.
A população entrou em pânico! Temia-se a destruição da região e a perda da Água!
Começou-se a haver o questionamento sobre o que a empresa estava a fazer, porém ninguém conseguia respostas satisfatórias! Não havia canal de diálogo entre a empresa e a Comunidade, aliás, oficialmente, a empresa nem sequer reconhecia a existência da Comunidade da Jangada e nem da própria Casa Branca!
Começou a surgir uma mobilização popular, principalmente por parte de moradores da Jangada mas também com a participação de moradores de outras partes de Casa Branca. Para quem não sabe, a Jangada é um bairro do povoado de Casa Branca que, por sua vez é considerado um bairro de Brumadinho.
Vale (sem trocadilhos) mencionar que já haviam pessoas em Casa Branca que se preocupavam e já questionavam a mineração na região, principalmente as minas da Jangadas e do Córrego do Feijão, desde quando estas ainda eram de propriedade da mineradora MBR, que posteriormente foi comprada pela VALE. Estes foram o percussores do Movimento das Águas e Serras de Casa Branca e já atuavam antes de 2010! Entre estes, merece destaque a atuação do médico Lucas Machado, que posteriormente iria se tornar vereador em Brumadinho e que sempre atuou em prol da preservação e da região de Casa Branca.
No incio do ano de 2011 havia muita incerteza e temor da população em relação aos planos da VALE para a região. Sem conseguir nenhuma resposta, pelo contrário, sendo desprezada e ignorada, a Comunidade da Jangada, com o apoio de moradores de vários outros bairros, se uniu e começou a se articular para cobrar da empresa respostas. As frustrações foram se somando e diante desse quadro, uma ação energética e drástica precisava ser tomada. Várias reuniões foram feitas, assim como algumas manifestações e ações de mobilização como a exibição de documentários que denunciavam a forma truculenta e desrespeitosa da VALE em relação às Comunidades as quais ela era vizinha.
Como resultado dessa mobilização, planejou-se, secretamente, uma ação decisiva, que obrigasse a mineradora a abrir o diálogo e responder às perguntas da Comunidade.
Para tanto, planejamos fechar o acesso à mina, logo cedo, impedindo que os funcionários chegassem ao seu local de trabalho, inclusive os engenheiros, gerentes e diretores da mina. Como a mina tinha várias entradas, teríamos que bloquear a via de acesso, fechando a avenida Hum, que além de levar às minas da Jangada e Córrego do Feijão, também ligam Casa Branca à sede do município de Brumadinho.
A ação teve que ser mantida em sigilo pois temia-se que poderia haver pessoas infiltradas na Comunidade que estivessem espionando os nossos passos. Confesso que na época achei isso um pouco exagerado, mas depois vi que realmente esse é o modus operandi dessa empresa!
Mantida em sigilo, a ação recebeu o codinome de "Dia da Alegria", não me lembro bem mas me parece que houve uma inspiração da Inconfidência Mineira, quando o levante dos rebeldes de Vila Rica no século XVIII seria anunciado pela data do "Batizado"! Para nós, fez muito mais sentido a "Alegria" e, ao contrário dos Inconfidentes, esperávamos obter sucesso em nossa ação.
Todos foram avisados que na véspera seria anunciada a data e que no dia era para irmos cedo para um ponto estratégico da avenida Hum, na realidade uma estrada de terra cercada de mata neste ponto, com uma fazenda próxima e com a mina no caminho.
Assim, antes das 6:00 da manhã, a avenida Hum foi bloqueada! Atravessamos um caminhão na estrada e não permitimos a passagem de nenhum veículo, com exceção de uma ambulância!
Logo a fila de carros começou a crescer, algumas pessoas ficaram visivelmente irritadas mas muitos compreenderam nosso ato de protesto. Chegou a imprensa, que noticiou e divulgou nosso ato e também a polícia que foi bastante compreensiva e dialogou respeitosamente conosco, compreendendo e permitindo a nossa manifestação.
A princípio os funcionários da mineradoras pareciam ser de cargos subalternos, porém, no meio da manhã, apareceram engenheiros e pessoas que ocupavam cargos de chefia. A postura inicial destes era de prepotência e arrogância, alguns chegaram a nos ameaçar  e falar de maneira ríspida, mas de nada adiantou, estávamos convictos em nosso propósito!
Já no final da manhã, chegaram até nós uma comitiva de diretores e engenheiros que, pela primeira vez, concordaram em conversar conosco! Colocamos nossas reivindicações, principalmente nossa necessidade de informações sobre os planos e ações da mineradora para a região. Como resultado, ficou combinado que tiraríamos alguns representantes da Comunidade que fariam reuniões com os engenheiros e diretores das minas do Complexo do Paraopeba para que tivéssemos as respostas que buscávamos. Com isso, consideramos que havíamos alcançado nosso objetivo e retiramos o bloqueio, liberando a via.
Além disso, uma maiúscula vitória havia sido alcançada, a partir de então, a VALE reconhecia a existência da Comunidade da Jangada e de Casa Branca!
Os dias que se seguiram foram de grande euforia! E como resultado, nasceu o Movimento das Águas de Casa Branca, que algum tempo depois incluiria as Serras no nome e passaria a se chamar Movimento das Águas e Serras de Casa Branca!
Eu fui um dos prepostos, os representantes de Casa Branca e Córrego do Feijão, escolhidos pela Comunidade para dialogar e buscar os esclarecimentos com a empresa. Participamos de várias reuniões, sempre dentro da mina, em um auditório que hoje encontra-se debaixo de toneladas de lama e a tônica dessas reuniões sempre foi a omissão e até mesmo inverdades! Ou seja, a partir de um determinado momento nos demos conta que aquelas reuniões não nos estavam servindo de nada pois informações eram omitida e outras eram vergonhosamente desmentidas!
A gota d'água foi uma reunião em que, com o objetivo de registrar as mentiras e omissões da empresa, solicitamos o direito de filmar a reunião. O tempo fechou! Os engenheiros e diretores da VALE não permitiram o que foi interpretado por nós como uma confirmação que havia má fé por parte da empresa. Houve um início de tumulto e como resultado, muitos de nós abandonamos essas reuniões. Até porque, tomamos consciência de que essas reuniões infrutíferas estavam servindo apenas aos interesses da empresa que passou a anunciar que estava dialogando com a Comunidade por meio das mesmas! Não havia diálogo, haviam mentiras!
A partir daí focamos nossas ações em outros frentes e buscamos o apoio de órgãos como o Ministério Público. A pergunta permanecia a mesma, quais os planos da vale para a região? Assim como o temor de que a continuidade da mineração na região pudesse secar nossas nascentes e nos deixar sem água!
No decorrer desses anos realizamos inúmeras outras ações e atuamos em diferentes frentes. Em determinado momento, ficamos sabendo dos planos de expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão e passamos a monitorar se haveria a entrada do pedido de licenciamento por parte da VALE para ampliação das minas. Sempre que questionávamos os funcionários da mineradora sobre isso, alguns eram categóricos ao dizer que não, que não haviam planos da VALE para a expansão do Complexo do Paraopeba e que se cogitava o fechamento das minas! Era bom demais para ser verdade!
Mas a ilusão acabou e finalmente descobrimos o estratagema da empresa! Os funcionários diziam que a VALE não tinha planos de expansão das minas e isso era confirmado pois não víamos a entrada em processos de licenciamento para tal nos órgãos competentes por parte da VALE! Porém. finalmente, descobrimos que não víamos o pedido de licenciamento pois a VALE já o havia feito, porém com o nome de MBR, a mineradora da qual ela havia comprado as minas da Jangada e Córrego do Feijão!
E a partir daí, nosso foco passou a ser procurar os furos, riscos, irregularidades e ilegalidades no processo de licenciamento para a expansão das minas.Para nós, barrar esse empreendimento era vital para garantirmos, em primeiro lugar a nossa água, que estaria seriamente ameaçada, seguido de todos os malefícios que a atividade mineradora traz a uma localidade como Casa Branca, com a destruição da Natureza e da qualidade de vida.
Chegamos em 2018, um ano decisivo nesse processo! Houve uma Audiência Pública, na Cãmara dos Vereadores de Brumadinho, que mencionei na primeira Crônica da Água e da Lama e em novembro e dezembro, dois momentos decisivos, emblemáticos e marcantes, que muitos de nós jamais iremos esquecer!
Em novembro, dia 19, houve uma reunião extraordinária do Conselho do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, uma importantíssima Unidade de Conservação, criada com o propósito de proteger os mananciais que bastecem de água a região metropolitana de Belo Horizonte. Nessa reunião, foram colocados, todos no mesmo dia, o pedido de anuência por parte do Conselho do Parque para três empreendimentos de mineração na área de amortecimento do Parque.
Um é uma aberração que prevê a retomada da mineração praticamente dentro do Parque, para se resolver o problema de um passivo ambiental deixado pela mineradora MGB e os outros dois da VALE para a expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão!
O Movimento das Águas e Serras de Casa Branca, claro, esteve presente, assim como muitas outras pessoas de Casa Branca, porém, por mais que tentássemos alertar, denunciar, clamar, de nada adiantou, com uma votação esmagadora, o Conselho do Parque deu a anuência, ou seja, sinal verde, para os três empreendimentos! Isso foi um disparate! Afinal os três empreendimentos colocavam em sérios riscos o Parque e a integridade dos mananciais, ferindo o propósito pelo qual foi criado o Parque!
E para piorar, de maneira absurdamente acelerada, antes que virasse o ano, em 11 de dezembro de 2018, foi votada na Câmara Minerária do COPAM - Conselho de Políticas Ambientais de Minas Gerais e concedida a licença para a expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão!
Contra, apenas um voto, da Conselheira Maria Teresa Corujo, a Teca, do FONASC - Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas.
O Movimento das Águas e Serras de Casa Branca estava presente e uma vez mais nos manifestamos com força e firmeza!
Apoiamos a Teca em toda a sua argumentação e busca de trazer ao bom senso e à razão os demais conselheiros mas foi inútil! Sobre a Teca, há que se exaltar essa incansável Guerreira em defesa da preservação, que se destaca pela lucidez, capacidade e profundidade de argumentação, clareza, tenacidade e coragem! Uma pessoa admirável que fez o que pôde para impedir que naquele dia 11 de dezembro a VALE recebesse a licença para continuar a operar e expandir o Complexo do Paraopeba!
Pouco mais de um mês depois daquele dia, em 25 de janeiro, a barragem rompeu!

E aí voltamos ao ponto inicial dessa Crônica, com toda essa trajetória e história, em prol da Vida e da Preservação, o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca é injuriado e atacado, tem sua legitimidade e confiabilidade questionadas, por pessoas que sempre se mantiveram omissas e caladas diante das violações, agressões e mentiras! Oportunismo, má fé, corrupção, o tempo irá dizer...
O importante é que seguimos forte, íntegros e comprometidos, mais do que nunca com a preservação e luta intransigente em defesa de nossas Serras e de nossa Água!
Sobre o Movimento, vale (ops) ainda dizer que possui uma organização horizontal, onde não há lideranças fixas, é suprapartidário, ou seja, não se identifica com nenhum partido político, é inclusivo, nele participam pessoas, em sua quase totalidade moradores de Casa Branca, de diferentes bairros e extratos sociais, com diferentes visões mas que somam e se respeitam, tendo na diversidade um de seus pontos fortes!
Desde o dia 25 de janeiro já realizamos inúmeras e importantíssimas ações mas deixarei isso para as próximas crônicas, a de hoje tinha essa urgente necessidade de contar a história do Movimento das Águas e Serras de Casa Branca e sua já histórica luta em defesa da Água e da Vida!
A Água á Sagrada! A Vida é Sagrada!               

sexta-feira, 1 de março de 2019

Crônicas da Água e da Lama I

A Água é Sagrada! A Vida é Sagrada!
E nem a Água e nem a Vida foram e estão sendo respeitadas!
Resolvi escrever essa crônica e que deverá ser a primeira de várias, pois é muita coisa que guardo no peito e na mente, após a tragédia ocorrida onde vivo, em Brumadinho.
É uma maneira de compartilhar sentimentos, experiências, impressões, de realizar denúncias e buscar compreender, nem que seja um pouco, do incompreensível, do injustificável, e alertar para o risco que estamos correndo, todos nós, e a urgente necessidade de mudarmos o atual paradigma de nossas relações com a Natureza e com nós mesmos!
A tragédia de Córrego do Feijão foi global! E um crime contra a Natureza e contra a Humanidade!
Mas é tanta coisa que tenho para dizer que vou começar expondo minha dificuldade em conseguir encontrar as palavras adequadas para expressar o que tenho visto e sentindo!
O que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019 mudou para sempre a minha Vida!
Nunca, jamais, pensei em ver e viver o que vi e vivi!
Moro com a minha Família em uma região de Brumadinho vizinha a Córrego do Feijão, onde se rompeu a barragem. Para se ter uma ideia, a mina Córrego do Feijão faz parte do chamado Complexo do Paraopeba, que tem também a mina da Jangada. A mina da Jangada, por sua vez já se encontra na localidade em que vivo, um maravilhoso e bucólico povoado chamado de Casa Branca.
Esses Complexos como o do Paraopeba, se formam pois as minas de exploração de minério de ferro vão crescendo tanto que uma mina começa a invadir o espaço da outra e ambas se juntam, formando os complexos!
Há inúmeros complexos de minas dessa forma aqui na região do Estado de Minas Gerais, conhecido como Quadrilátero Ferrífero, mas que cada vez deve-se afirmar e buscar a mudança de paradigma a partir da substituição do nome de Quadrilátero Ferrífero para Quadrilátero Aquífero! Isso porque a grande riqueza de Minas Gerais não é o Minério de Ferro! É a ÁGUA!
As Minas não são de Ouro, Diamante ou de Ferro, são de ÁGUA!
E onde vivo, Casa Branca, é um Santuário de Águas Puras, Limpas e Cristalinas, região montanhosa de inúmeras nascentes, as minas de águas, seriamente ameaçadas por vários motivos, mas a maior ameaça em termos de impactos diretos e proporção é a mineração de minério de ferro.
No dia do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora VALE no Córrego do Feijão, eu estava com a minha Família, com minha esposa e filhos em outra localidade, chamada de Catas Altas (também seriamente impactada pela mineração), junto com a minha Mãe que comemorava nesse dia o seu aniversário!
Estávamos nos divertindo e aproveitando momentos maravilhosos! Meu filho mais velho estava a cavalgar e minha esposa foi buscar seu celular (que estavam também de descanso) para tirar fotos de nosso cavaleiro!
Após as fotos, ela resolveu "espiar" o aparelho e sua fisionomia mudou! Ficou grave e séria! No aparelho haviam centenas de mensagens nos perguntando se estávamos bem! O que significava aquilo? O que havia acontecido?
Ela liga para uma pessoa conhecida e descobre o motivo por tantas pessoas estarem preocupadas conosco, a barragem de rejeitos de minério da mina da VALE próximo de casa havia se rompido!
Aqui começa a dificuldade em descrever o que senti e o que pensei! Pois palavras não alcançam o rompante e avalanche de sentimentos e pensamentos que me atordoaram e ainda atordoam, claro que em muito menor intensidade, passados já um mês e alguns dias após aquele 25 de janeiro!
Algo que me lembro de ter experimentado foi uma revolta e indignação por termos avisando e lutando tanto contra a expansão do Complexo do Paraopeba! Junto, confesso que veio também um sentimento de exultação por saber que a partir dali poderia acontecer o que sempre sonhamos e queríamos, que a mineração na região acabasse! Ora, se após o crime de Bento Rodrigues, a empresa se tornou reincidente, ela seria fatalmente e definitivamente condenada e não haveria como sustentar a mineração na região e quem sabe em toda a região do Quadrilátero Aquífero! Na quele momento eu já sabia que o que havia acontecido iria mudar tudo e para sempre!
Fomos até a casa da fazenda onde estávamos e todas as pessoas estavam em volta da TV para assistir o que havia acontecido. As imagens eram chocantes! A minha exultação se transformou em profunda tristeza ao mesmo tempo que um sentimento de irrealidade tomou conta de mim! Aquilo tudo não parecia real, parecia um sonho, ou melhor, um pesadelo.
Nesse momento, pela TV, fiquei sabendo que o rompimento da barragem havia impulsionado uma tsunami de lama sobre o Córrego do Feijão e os primeiros a serem varridos pela gigantesca onde de lama foram as dependências da própria mineradora, inclusive o refeitório que encontrava-se lotado de funcionários e prestadores de serviços pois era o horário do almoço!
Nessa hora me lembrei do que vivi no meio do ano passado!
Me lembrei que após anos de lutas contra essa empresa para defendermos nossas nascentes, nossa Água e nossas Montanhas (em outra crônica irei falar sobre essa luta), em 2018 aconteceu a Audiência Pública, etapa importante em um processo de licenciamento ambiental, para a proposta de expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão, o Complexo do Paraopeba.
Essa Audiência Pública aconteceu na Câmara do Vereadores de Brumadinho, na sede do município e foram disponibilizados ônibus para levar às pessoas das Comunidades impactadas pelo empreendimento à Audiência. Lembro-me que foi um ônibus cheio, de Casa Branca e Córrego do Feijão, mas perto da população total de ambos os povoados, éramos muito poucos!
Sabíamos que a expansão das minas significaria a morte. Mas confesso que temia a morte das nascentes e das fontes d'água! Não imaginava que a face da morte se manifestaria pelo rompimento da barragem de rejeito!
Para denunciar o risco de morte que representaria essa expansão das minas, pensei em algo para chocar as pessoas e sacudi-las para o grave risco! Assim, surgiu a ideia, inspirada nas pinturas de guerra pré-colombianas e máscaras mexicanas, de me pintar de caveira, a poderosa e assustadora face da Morte!
E assim fui para essa Audiência Pública!
Como mencionei há pouco, estávamos em um ônibus apenas, e ao chegar na Câmara, haviam mutos ônibus que trouxeram centenas de funcionários da mineradora para a Audiência Pública! Estávamos cercados por funcionários com o característico uniforme verde dessa empresa!
Mas não nos intimidamos! Com a presença de ilustres Guerreiras e Guerreiros que defendem a Água e a Vida, entre eles a incansável, íntegra e valorosa Teca, uma das maiores ambientalistas de Minas Gerais que, como sempre, realizou uma magnifica, consistente e séria defesa dos motivos que faziam com que esse empreendimento fosse considerado irresponsável, ilegal, imoral e irregular! Sim, eles sabiam de tudo! Foi realmente uma tragédia anunciada!
Muitas outras falas contundentes se seguiram às da Teca! E em todas ovacionávamos com vigor, eu inclusive tocando o Caracol, a trombeta de búzios que desperta os Espíritos das Montanhas e das Águas e que naquele ambiente e momento causavam ainda mais impacto, ainda mais sendo tocada por uma caveira! Isso tudo cercados de um exército de funcionários da mineradora!
A Audiência Pública foi se estendendo e após as falas de muitos ambientalistas e membros das comunidades, estavam inscritos muitos funcionários da VALE que começaram a elogiar os benefícios e maravilhas da empresa! Em todas as falas que escutei, me lembro de sempre exaltarem os empregos gerados pela mineração. Uma fala em particular me marcou, a de uma funcionária que disse que a VALE havia proporcionado seu sonho de fazer uma cirurgia!
Como já era tarde e vimos que não sairia daquilo, além da revolta de ver tantas pessoas exaltando uma empresa criminosa, que já havia matado em Bento Rodrigues, decidimos ir embora antes do final da Audiência Pública. Ao sair do salão onde acontecia o evento, ao passar por um verdadeiro corredor de gente uniformizada da VALE, resolvi tocar pela última vez naquela noite o Caracol!
Toquei, a caveira o tocou e a reação dos funcionários da VALE foi um sonoro riso e gargalhar de escárnio!
Foi isso tudo que passou pela minha cabeça quando soube que o refeitório da mina havia sido engolido pela lama no horário do almoço! Muitas daquelas pessoas presentes no dia da Audiência Pública, muitos que riram de nós, estavam, naquele exato momento, mortos! MORTOS!
É difícil descrever o que senti!

No dia seguinte, no sábado, 26, retornamos para Casa Branca, até para conferirmos se nossa residência havia sido atingida diretamente pela lama. Mas toda Casa Branca, milagrosamente se salvou! Todo o povoado, as nascentes, córregos e riachos, tudo estava intacto! E claro, também a nossa casa.
Procurei saber onde melhor poderia ser útil no apoio e ajuda e fui para a escola municipal de Casa Branca, a mesma onde fui, anos atrás, vice-diretor.
O que vi na escola foi chocante! O melhor e o pior do ser humano!
Mas isso deixarei para a próxima crônica da Água e da Lama!
Para encerrar essa primeira, quero trazer um acontecimento muito fresco! Ontem, dia 28 de fevereiro de 2019, fui novamente a uma Audiência Pública, dessa vez na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte, onde foi debatido o tema da Segurança Hídrica, uma vez que com o rompimento da barragem houve a contaminação e morte do Rio Paraopeba, o que coloca em risco o abastecimento de Água para milhares de pessoas em toda a região metropolitana de BH!
E logo no começo da sessão, somos surpreendidos pelo anuncio da exoneração do superintendente do IBAMA, senhor Júlio Grilo, um incansável defensor do meio ambiente e dos recursos hídricos! Um Guerreiro! Conselheiro do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, na região onde moro, e do famigerado conselho do COPAM, a Câmara minerária, ligado ao governo estadual de MG, que aprova e concede as licenças ambientais para os empreendimentos das mineradoras. Nesse espaço, Júlio Grilo era uma das vozes dissonantes, junto com a Teca, também conselheira, que. infelizmente sempre eram derrotados nas votações pelos demais conselheiros que parecem não importar em absolutamente nada com a Vida Humana e com a Natureza! Mas as reuniões do COPAM e Conselho do Parque do Rola Moça também ficam para as próximas crônicas!
Assim, Júlio Grilo, a você, lamentavelmente exonerado por ordem do ministro do meio ambiente do atual governo deste país que acumula equívocos e maldades, fica aqui meu agradecimento, reconhecimento e admiração! Por sua honestidade, retidão, coragem, valor e nobreza!
Um gigante! Ainda mais diante da pequenez de tanta gente cruel e medíocre!
Como se diz nos Andes, URPILLAY SONQOLLAY!