domingo, 29 de janeiro de 2017

AYNI – A Reciprocidade como um princípio ético

Templo das "Manos Cruzadas", em Kotosh, cerca de 5.000 anos de antiguidade. Mãos na posição cruzada são um símbolo na região andina do princípio de reciprocidade - AYNI
Na dinâmica cíclica da vida, um movimento harmonioso e harmonizador se faz presente ao se manifestar no balé do equilíbrio entre doação e entrega, dar e receber.
Tomar e receber, inspirar e expirar, oferecer e aceitar.
Trocar pode ser visto como o próprio ato de viver.
Dar e Receber estabelece um vínculo e conexão que nos interliga a tudo e a todos, a teia da vida, círculos concêntricos, o campo morfogenético, infinitas possibilidades de trocas e relações!
Reconhecemos, honramos e reverenciamos esse movimento realizando a ação recíproca, dar e receber como um princípio ou fundamento ético. Uma Ordem que tem sua origem no Amor.
A busca pelo equilíbrio entre Dar e Receber encontra-se presente em muitas culturas e tradições, de diferentes povos dos quatro cantos da Mãe Terra.
Na milenar cultura e tradição andina, esse princípio de reciprocidade é chamado de AYNI.
Ainda hoje é um dever ético e uma obrigação para as comunidades tradicionais andinas e membros dessas comunidades, praticarem o Ayni, a reciprocidade.
Na desafiadora e extensa região andina, a ajuda mútua, solidariedade e cooperação, “hoje eu lhe ajudo, amanhã serei ajudado”, a força e capacidade de realização do coletivo, foram essenciais para o desenvolvimento de grandiosas civilizações que se levantaram e prosperaram, mesmo nas condições mais adversas. Desde os primórdios das primeiras civilizações andinas, tão antigo quanto o princípio do Ayni, surgiu na região Andina o AYLLU, que é o conceito de comunidade, povo, tribo e clã. A forte identidade coletiva se sobrepõe à individual, o sujeito encontra significado, sentido e realização no grupo, no sistema ao qual ele pertence. 
E não apenas se estabelece o vínculo e o ato da troca com os outros seres humanos, mas também com os demais seres e dimensões, de qualquer tempo e espaço. Nos Andes, ainda hoje, as pessoas se relacionam com as Montanhas, os Rios, as Nuvens, o Vento, as Águas. Assim como a Terra, a Semente, o cultivo e o cuidado que nos dá o alimento e a fartura. As forças da natureza e a sabedoria dos ancestrais. Todos emparentados compondo um gigantesco Ayllu. 
A continuidade do princípio de reciprocidade perpassou sucessivas civilizações, culturas e povos no decorrer de milênios na América do Sul. Na época do encontro com o universo ocidental cristão, com os homens da Europa medieval/renascentista, a região andina vivia o apogeu da civilização inka.
Mas muito antes do que os inkas, a se perder na noite dos tempos, esse princípio já era respeitado e seguido. Em construções sagradas de mais de 5.000 anos de antiguidade encontram-se referências e evidências da prática do Ayni.
Pelo Ayni se reconhece a precedência e grandeza das forças da natureza que são reverenciadas e recebem o que lhes é de direito que pode ser expresso por meio de uma oferenda ritual, uma retribuição no âmbito do invisível, entregando a essas forças uma representação simbólica do mundo, que celebrem e invoquem a fertilidade, saúde e bem estar, que tragam a força da própria vida!
A prática do Ayni nos proporciona a oportunidade de contribuir com a manutenção e a ordem de todos os sistemas ao qual pertencemos. Seja o nosso corpo, nossa família, a comunidade, a nação, a humanidade, o planeta e o cosmos.
O sentimento do Ayni é a gratidão, oferta-se reconhecendo que é uma retribuição de agradecimento pelo o que já foi entregue. O agradecimento contempla a saúde, fertilidade, chuvas, colheita, prosperidade, abundância e a própria vida.
Quando este princípio é rompido ou transgredido, o desequilíbrio se faz presente e manifesta desordem, transtorno e enfermidades. Para reequilibrar o sistema é necessário a reconciliação, incluindo o que foi esquecido ou desprezado, reconhecendo e reverenciado o que é maior e veio primeiro.
Para a tradição andina, quem vieram primeiro foram as montanhas, os lagos e o oceano, as nuvens e as águas primordiais, o Sol, a Lua e as estrelas, avós e avôs de tempos imemoriais, ancestrais de outros tempos e mundos. Todo o cosmos, a Pachamama.
A eles se roga e se oferenda para que haja o Ayni, para que se tenha uma vida equilibrada e próspera, a eles se entrega para que se receba!
Incluindo os diversos mundos, reinos e dimensões o princípio que estabelece o fundamento das infinidades possibilidades de relações é o Ayni, a reciprocidade.
É o mesmo princípio que vemos nos povos nativos do norte, que seguem a Boa Estrada Vermelha, quando ofertam um pouco de tabaco, por um rezo, uma dádiva, uma vida, expressando Mitakuye Oyasin - todos somos parentes, em todas as nossas relações.

Reconhecendo que este é um princípio e ordem universal, podemos aplicar esse ensinamento por meio de um comportamento recíproco, buscando reconhecer e honrar a troca e a dinâmica de dar e receber em todas as nossas relações. Assim, por meio do Ayni, a vida torna-se harmônica, bela e equilibrada, alcançamos o Sumaq ou Allin Kawsay, uma “Vida Bela e Boa”. 

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