terça-feira, 17 de janeiro de 2017

CONSTELAÇÃO FAMILIAR E XAMANISMO - Um rico e interessante diálogo!

Um interessante e rico diálogo pode ser estabelecido entre a milenar sabedoria, práticas e técnicas de cura ancestrais, de diferentes tradições nativas, o que convencionou-se chamar por xamanismo, e os fundamentos das Constelações Familiares Sistêmicas de Bert Hellinger.
A começar pelo fato de que, uma das inspirações de Bert Hellinger, para criar a técnica das Constelações Familiares, veio do povo africano Zulu, com o qual ele teve contato e conviveu durante a época em que era missionário católico na África do Sul.
Nas palavras do próprio Bert Hellinger:
“Primeiramente, o respeito que eles (os Zulus) mostram por seus pais. Isso me impressionou muito. Também a segurança com que as mães lidam com seus filhos era impressionante. Dificuldades com filhos é algo que não conhecem. Simplesmente sabem do que as crianças precisam. As mães eram sempre dedicadas. Outra coisa que tomei de lá foi o respeito diante do próximo. Lá cada um pode preservar sua reputação. (...) O importante para mim foi sempre o crescimento interno. Minha experiência na África contribuiu grandemente para isso”.B e r t  H e l l i n g e r - “U m  L u g a r  p a r a  o s  E x c l u í d o s”
O respeito e reverencia à ancestralidade, o direito de pertencimento ao grupo por parte dos indivíduos e a importância e ênfase dada às trocas e à reciprocidade são elementos que caracterizam não apenas aos Zulus mas a muitos outros povos, culturas e tradições primigênias (ainda chamadas por alguns de primitivas), que seguem com esses valores fundamentais que, quando são suprimidos, os atira em profundas crises de caráter ético e moral, levando à confusão da identidade individual e coletiva.
É preciso que se diga que os fundamentos do inovador processo terapêutico de Constelação Familiar Sistêmica, de Bert Hellinger, são encontrados e caracterizam a tradição e a cultura de muitos povos! Ao estabelecer as chamadas “Leis do Amor”, Bert Hellinger não inventou a roda, mas criou um veículo perfeitamente adaptado (e necessário) às pessoas do mundo globalizado.
Nas Constelações Familiares, é o terapeuta, também chamado de constelador, que se coloca a serviço e que, por meio da técnica, segue um roteiro pelo qual o Sistema Familiar do cliente (ou constelado), o Campo, irá se manifestar. Nos povos “antigos”, quem assume essa função é o ou a xamã!
Detentor de muitos saberes, contador de histórias (Bert Hellinger é grande apreciador do recurso terapêutico e pedagógico das histórias), especialista e profundo conhecedor dos meios para se alcançar a cura e reestabelecer a saúde, seja no âmbito físico, espiritual, emocional ou psicológico, o xamã (ou a xamã) buscava por diferentes recursos reequilibrar e harmonizar o que está fora de ordem. Ora, e um dos objetivos das Constelações Familiares não é exatamente esse? Identificar que Ordem do Amor foi transgredida, gerando um desequilíbrio no Sistema Familiar e na vida da pessoa e buscar, por meio da técnica, reequilibrar esse Sistema! Colocar em Ordem o que está desordenado!
As Leis ou Ordens do Amor de Bert Hellinger podem ser sintetizadas assim:
1-    Pertencimento: todo indivíduo tem o direito a pertencer ao Sistema, portanto todos devem ser incluídos.
2-    Hierarquia: os mais antigos vem primeiro, os mais novos vem depois.
3-    Equilíbrio entre Dar e Receber: o balanço dinâmico e harmônico nas trocas e nas relações.
Quando alguma dessas Ordens é transgredida, surgem problemas e enfermidades.
O mesmo se vê no processo de cura do xamanismo e em tradições e culturas ancestrais!
Para muitas tradições, o direito de pertencimento, a primeira Ordem do Amor, é primordial e para alguns povos, a identidade coletiva, a comunidade, sobrepõe-se ao indivíduo! Algo que pode soar até mesmo estranho em uma época tão individualista como a que vivemos!
Além disso, predomina em muitos povos nativos o caráter inclusivo que se sobrepõe à exclusão. No âmbito espiritual, por exemplo, a aceitação do cristianismo por muitas tradições ameríndias e africanas foi relativamente fácil por seu caráter inclusivo, o que contrastava e se chocava com o excludente dogma do monoteísmo ético e de uma religião de verdades absolutas, princípios propagados e defendidos até mesmo por meio da violência por parte dos zelosos responsáveis por evangelizar e converter milhares de seres humanos à “verdadeira fé”, no caso, o cristianismo.
A qualidade inclusiva dessas tradições e povos se fez presente, apesar da brutalidade do processo de conversão, nos fenômenos da mestiçagem e do sincretismo, algo muito comum nos países latino-americanos por exemplo, onde os santos e entidades católicos encontram seu análogo em divindades pré-colombianas ou africanas. Somente tradições inclusivas poderiam adotar o culto às Mamachas Andinas (associação da Virgem católica às Montanhas Sagradas e à própria Pachamama, a Mâe Terra dos índios) ou à identificação dos Santos da igreja com os Orixás africanos.
Já a Hierarquia, a segunda Ordem do Amor, apresenta-se com muita força e vigor no respeito, reverência e, em alguns casos, culto aos ancestrais. Desconheço uma cultura tradicional que não apresente essa qualidade! Para muitos povos nativos, o que os mais velhos dizem assume o caráter de lei. Em algumas culturas, os ancestrais são tão respeitados que continuam, mesmo após a morte, a participar ativamente da vida cotidiana dos vivos! Em algumas culturas pré-colombianas, os mortos eram mumificados e participavam de eventos sociais, cerimônias e até mesmo julgamentos e conselhos de guerra! Outro exemplo fascinante encontra-se na colorida e alegre Festa do Dia dos Mortos em países como o México, onde os ancestrais são convidados a se banquetear junto com os vivos.

Quanto ao equilíbrio entre Dar e Receber, a reciprocidade encontra-se como um princípio ético e um dever em muitas culturas e povos. No caso do xamanismo, esse fundamento que norteia as relações não é exclusividade dos seres humanos, mas alcanças a relação com todos os seres, reinos e dimensões, como diz a expressão indígena Lakota: “Mitakuye Oyasin - Por Todas as Nossas Relações”.  
Um exemplo muito interessante é a continuidade desse princípio de reciprocidade que perpassou sucessivas civilizações, culturas e povos no decorrer dos milênios na América do Sul. Na época dos inkas, a última grande civilização pré-colombiana sul-americana, esse princípio era chamado de Ayni. Ainda hoje é um dever ético e uma obrigação para as comunidades tradicionais andinas e membros dessas comunidades praticarem o Ayni, a reciprocidade, hoje eu lhe ajudo, amanhã serei ajudado! Graças a esse princípio, grandiosas civilizações se levantaram e prosperaram, mesmo nas condições mais adversas (o que é o caso da extensa região andina).

Mas ao invés de diminuir a contribuição de Bert Hellinger, reconhecer que as Ordens do Amor já eram conhecidas e respeitas há milênios e que, em nosso desequilibrado mundo moderno, elas se fazem necessárias e urgentes, traz mais força e valoriza a contribuição desse genial terapeuta, filósofo, poeta e pedagogo alemão. O mundo hoje clama por Ordem!
E se para muitos, a prática do xamã ainda encontra-se no âmbito das crendices e superstições, o caráter científico presente na pesquisa e técnica das Constelações Familiares apresenta-se aceitável para muitas pessoas, tantas que atualmente a técnica de Bert Hellinger está em quase todo o Planeta!
Por vezes a aproximação é grande e tornam-se tênues os limites e separações entre uma sessão de Constelação Familiar e práticas espirituais e espiritualistas (o próprio Bert Hellinger pratica, assim como muitos outros consteladores a chamada “Constelação do Espírito”), e isso não é negativo, afinal um dos princípios da Constelação é a inclusão e seria incoerente excluir o espiritual.
Nessa perspectiva, a sabedoria e técnicas das antigas tradições, o xamanismo, pode contribuir e muito com as Constelações! Há muitos pontos de convergência e onde abre-se uma lacuna de uma das técnica, a outra apresenta-se para a complementar.
É muito interessante o fato de que no xamanismo sempre encontramos altares com uma grande variedade de objetos e instrumentos de poder. Ora, em muitos altares xamânicos, esses objetos tornam-se uma representação simbólica do universo, do cosmos, nada mais sistêmico!
Para o xamanismo, o universo é sistêmico e absolutamente tudo encontra-se interligado, como se todo o universo fosse como uma teia de aranha, ou se preferir, o Campo Morfogenético de Rupert Sheldrake.

Por ser inclusiva, a técnica das Constelações Familiares Sistêmicas apresenta-se flexível e permite a complementaridade de outras técnicas e práticas, sendo o xamanismo um recurso a oferecer inúmeras possibilidades.
Para tanto, é necessário equilíbrio e sobriedade para que o caráter científico das Constelações Sistêmicas não seja sobrepujado pelo caráter mágico do xamanismo e nem que o científico engesse ou negue a magia.
Mas que o terapeuta e a Terapia de Constelações Familiares Sistêmicas devem honrar e reverenciar o xamã e às tradições de cura e o saber ancestral, eles devem, afinal, o xamanismo é que veio primeiro.

2 comentários:

Liliane Simplicio disse...

Amei Ka! Desde o meu primeiro contato com a constelação familiar (em 1999, quando conheci Bert Hellinger em SP) eu fiquei encantada com o aprendizado que ele trouxe do Povo Zulu. Ele sempre honrou esse povo. Ele é que foi catequizado por essa sabedoria ancestral. Para mim, constelação sistemica é puro xamanismo. Você disse tudo. Abraços

Pablo Santarosa disse...

Nos encontramos por aqui de novo Aho