segunda-feira, 18 de março de 2019

Crônicas da Água e da Lama II

A Água é Sagrada! A Vida é Sagrada!
Caminhamos para dois meses após o rompimento da barragem na  mina do Córrego do Feijão, o odioso Crime da VALE!
Escrevo esta segunda Crônica da Água e da Lama em um momento em que o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca, ao qual pertenço e fui um dos fundadores, se empenha em uma ação em prol da Comunidade de Casa Branca para pressionar a mineradora a cumprir a decisão judicial em que ela, a empresa, deve pagar uma verba indenizatória a todos os moradores do município de Brumadinho e de outras localidades.
A ação é uma grande mobilização para preencher os formulários, que foram elaborados com o aval do Ministério Público e anexar aos mesmos as cópias dos documentos que provam que as pessoas residem em Brumadinho para que possam ter o direito de receber essa verba indenizatória.
Em mutirão, com muita disposição e entrega, voluntários do Movimento ficaram durante o carnaval e em outros dias, em locais centrais de Casa Branca, recolhendo os formulários, dando informações e auxiliando no que fosse às pessoas da Comunidade.
Infelizmente, sem a certeza de que a VALE irá reconhecer todo esse esforço e trabalho, pois a mineradora se mostra cada vez mais inescrupulosa e imoral e já demonstrou que ela é que gostaria de controlar esse processo.
Acontece que se deixarmos por conta da VALE, sem a pressionar, corremos o risco da empresa postergar o pagamento à população e até mesmo não pagar!
Infelizmente, a VALE não é uma empresa confiável.
Mas o que mais tem me deixado perplexo nesse processo são as falas e ações de pessoas que estão buscando deslegitimar o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca por meio de mentiras e calúnias! Além do mais, estão fomentando a desunião da Comunidade!
A quem interessa isso?
É trágico ver que segue a ação oportunista de pessoas que se aproveitam e tiram vantagem de uma tragédia da dimensão da que estamos vivendo com o rompimento da barragem!
Foi insinuado que o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca era formado por pessoas que não viviam em Casa Branca, que estariam se aproveitando das pessoas e que não era confiável entregar a nós cópias de documentos, assim como dados pessoais!
Claramente havia uma intenção de gerar a desconfiança.
Mas afinal, o que é e quem são o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca?
Por volta de meados de 2010, a água do bairro da Jangada, em Casa Branca começou a vir suja, com minério de ferro, além disso, começaram a haver perfurações na região para sondagens de áreas a serem mineradas e começou a haver grande desmatamento, de grande áreas de floresta, no terreno da mineradora, vizinho à Comunidade da Jangada.
A população entrou em pânico! Temia-se a destruição da região e a perda da Água!
Começou-se a haver o questionamento sobre o que a empresa estava a fazer, porém ninguém conseguia respostas satisfatórias! Não havia canal de diálogo entre a empresa e a Comunidade, aliás, oficialmente, a empresa nem sequer reconhecia a existência da Comunidade da Jangada e nem da própria Casa Branca!
Começou a surgir uma mobilização popular, principalmente por parte de moradores da Jangada mas também com a participação de moradores de outras partes de Casa Branca. Para quem não sabe, a Jangada é um bairro do povoado de Casa Branca que, por sua vez é considerado um bairro de Brumadinho.
Vale (sem trocadilhos) mencionar que já haviam pessoas em Casa Branca que se preocupavam e já questionavam a mineração na região, principalmente as minas da Jangadas e do Córrego do Feijão, desde quando estas ainda eram de propriedade da mineradora MBR, que posteriormente foi comprada pela VALE. Estes foram o percussores do Movimento das Águas e Serras de Casa Branca e já atuavam antes de 2010! Entre estes, merece destaque a atuação do médico Lucas Machado, que posteriormente iria se tornar vereador em Brumadinho e que sempre atuou em prol da preservação e da região de Casa Branca.
No incio do ano de 2011 havia muita incerteza e temor da população em relação aos planos da VALE para a região. Sem conseguir nenhuma resposta, pelo contrário, sendo desprezada e ignorada, a Comunidade da Jangada, com o apoio de moradores de vários outros bairros, se uniu e começou a se articular para cobrar da empresa respostas. As frustrações foram se somando e diante desse quadro, uma ação energética e drástica precisava ser tomada. Várias reuniões foram feitas, assim como algumas manifestações e ações de mobilização como a exibição de documentários que denunciavam a forma truculenta e desrespeitosa da VALE em relação às Comunidades as quais ela era vizinha.
Como resultado dessa mobilização, planejou-se, secretamente, uma ação decisiva, que obrigasse a mineradora a abrir o diálogo e responder às perguntas da Comunidade.
Para tanto, planejamos fechar o acesso à mina, logo cedo, impedindo que os funcionários chegassem ao seu local de trabalho, inclusive os engenheiros, gerentes e diretores da mina. Como a mina tinha várias entradas, teríamos que bloquear a via de acesso, fechando a avenida Hum, que além de levar às minas da Jangada e Córrego do Feijão, também ligam Casa Branca à sede do município de Brumadinho.
A ação teve que ser mantida em sigilo pois temia-se que poderia haver pessoas infiltradas na Comunidade que estivessem espionando os nossos passos. Confesso que na época achei isso um pouco exagerado, mas depois vi que realmente esse é o modus operandi dessa empresa!
Mantida em sigilo, a ação recebeu o codinome de "Dia da Alegria", não me lembro bem mas me parece que houve uma inspiração da Inconfidência Mineira, quando o levante dos rebeldes de Vila Rica no século XVIII seria anunciado pela data do "Batizado"! Para nós, fez muito mais sentido a "Alegria" e, ao contrário dos Inconfidentes, esperávamos obter sucesso em nossa ação.
Todos foram avisados que na véspera seria anunciada a data e que no dia era para irmos cedo para um ponto estratégico da avenida Hum, na realidade uma estrada de terra cercada de mata neste ponto, com uma fazenda próxima e com a mina no caminho.
Assim, antes das 6:00 da manhã, a avenida Hum foi bloqueada! Atravessamos um caminhão na estrada e não permitimos a passagem de nenhum veículo, com exceção de uma ambulância!
Logo a fila de carros começou a crescer, algumas pessoas ficaram visivelmente irritadas mas muitos compreenderam nosso ato de protesto. Chegou a imprensa, que noticiou e divulgou nosso ato e também a polícia que foi bastante compreensiva e dialogou respeitosamente conosco, compreendendo e permitindo a nossa manifestação.
A princípio os funcionários da mineradoras pareciam ser de cargos subalternos, porém, no meio da manhã, apareceram engenheiros e pessoas que ocupavam cargos de chefia. A postura inicial destes era de prepotência e arrogância, alguns chegaram a nos ameaçar  e falar de maneira ríspida, mas de nada adiantou, estávamos convictos em nosso propósito!
Já no final da manhã, chegaram até nós uma comitiva de diretores e engenheiros que, pela primeira vez, concordaram em conversar conosco! Colocamos nossas reivindicações, principalmente nossa necessidade de informações sobre os planos e ações da mineradora para a região. Como resultado, ficou combinado que tiraríamos alguns representantes da Comunidade que fariam reuniões com os engenheiros e diretores das minas do Complexo do Paraopeba para que tivéssemos as respostas que buscávamos. Com isso, consideramos que havíamos alcançado nosso objetivo e retiramos o bloqueio, liberando a via.
Além disso, uma maiúscula vitória havia sido alcançada, a partir de então, a VALE reconhecia a existência da Comunidade da Jangada e de Casa Branca!
Os dias que se seguiram foram de grande euforia! E como resultado, nasceu o Movimento das Águas de Casa Branca, que algum tempo depois incluiria as Serras no nome e passaria a se chamar Movimento das Águas e Serras de Casa Branca!
Eu fui um dos prepostos, os representantes de Casa Branca e Córrego do Feijão, escolhidos pela Comunidade para dialogar e buscar os esclarecimentos com a empresa. Participamos de várias reuniões, sempre dentro da mina, em um auditório que hoje encontra-se debaixo de toneladas de lama e a tônica dessas reuniões sempre foi a omissão e até mesmo inverdades! Ou seja, a partir de um determinado momento nos demos conta que aquelas reuniões não nos estavam servindo de nada pois informações eram omitida e outras eram vergonhosamente desmentidas!
A gota d'água foi uma reunião em que, com o objetivo de registrar as mentiras e omissões da empresa, solicitamos o direito de filmar a reunião. O tempo fechou! Os engenheiros e diretores da VALE não permitiram o que foi interpretado por nós como uma confirmação que havia má fé por parte da empresa. Houve um início de tumulto e como resultado, muitos de nós abandonamos essas reuniões. Até porque, tomamos consciência de que essas reuniões infrutíferas estavam servindo apenas aos interesses da empresa que passou a anunciar que estava dialogando com a Comunidade por meio das mesmas! Não havia diálogo, haviam mentiras!
A partir daí focamos nossas ações em outros frentes e buscamos o apoio de órgãos como o Ministério Público. A pergunta permanecia a mesma, quais os planos da vale para a região? Assim como o temor de que a continuidade da mineração na região pudesse secar nossas nascentes e nos deixar sem água!
No decorrer desses anos realizamos inúmeras outras ações e atuamos em diferentes frentes. Em determinado momento, ficamos sabendo dos planos de expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão e passamos a monitorar se haveria a entrada do pedido de licenciamento por parte da VALE para ampliação das minas. Sempre que questionávamos os funcionários da mineradora sobre isso, alguns eram categóricos ao dizer que não, que não haviam planos da VALE para a expansão do Complexo do Paraopeba e que se cogitava o fechamento das minas! Era bom demais para ser verdade!
Mas a ilusão acabou e finalmente descobrimos o estratagema da empresa! Os funcionários diziam que a VALE não tinha planos de expansão das minas e isso era confirmado pois não víamos a entrada em processos de licenciamento para tal nos órgãos competentes por parte da VALE! Porém. finalmente, descobrimos que não víamos o pedido de licenciamento pois a VALE já o havia feito, porém com o nome de MBR, a mineradora da qual ela havia comprado as minas da Jangada e Córrego do Feijão!
E a partir daí, nosso foco passou a ser procurar os furos, riscos, irregularidades e ilegalidades no processo de licenciamento para a expansão das minas.Para nós, barrar esse empreendimento era vital para garantirmos, em primeiro lugar a nossa água, que estaria seriamente ameaçada, seguido de todos os malefícios que a atividade mineradora traz a uma localidade como Casa Branca, com a destruição da Natureza e da qualidade de vida.
Chegamos em 2018, um ano decisivo nesse processo! Houve uma Audiência Pública, na Cãmara dos Vereadores de Brumadinho, que mencionei na primeira Crônica da Água e da Lama e em novembro e dezembro, dois momentos decisivos, emblemáticos e marcantes, que muitos de nós jamais iremos esquecer!
Em novembro, dia 19, houve uma reunião extraordinária do Conselho do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, uma importantíssima Unidade de Conservação, criada com o propósito de proteger os mananciais que bastecem de água a região metropolitana de Belo Horizonte. Nessa reunião, foram colocados, todos no mesmo dia, o pedido de anuência por parte do Conselho do Parque para três empreendimentos de mineração na área de amortecimento do Parque.
Um é uma aberração que prevê a retomada da mineração praticamente dentro do Parque, para se resolver o problema de um passivo ambiental deixado pela mineradora MGB e os outros dois da VALE para a expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão!
O Movimento das Águas e Serras de Casa Branca, claro, esteve presente, assim como muitas outras pessoas de Casa Branca, porém, por mais que tentássemos alertar, denunciar, clamar, de nada adiantou, com uma votação esmagadora, o Conselho do Parque deu a anuência, ou seja, sinal verde, para os três empreendimentos! Isso foi um disparate! Afinal os três empreendimentos colocavam em sérios riscos o Parque e a integridade dos mananciais, ferindo o propósito pelo qual foi criado o Parque!
E para piorar, de maneira absurdamente acelerada, antes que virasse o ano, em 11 de dezembro de 2018, foi votada na Câmara Minerária do COPAM - Conselho de Políticas Ambientais de Minas Gerais e concedida a licença para a expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão!
Contra, apenas um voto, da Conselheira Maria Teresa Corujo, a Teca, do FONASC - Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas.
O Movimento das Águas e Serras de Casa Branca estava presente e uma vez mais nos manifestamos com força e firmeza!
Apoiamos a Teca em toda a sua argumentação e busca de trazer ao bom senso e à razão os demais conselheiros mas foi inútil! Sobre a Teca, há que se exaltar essa incansável Guerreira em defesa da preservação, que se destaca pela lucidez, capacidade e profundidade de argumentação, clareza, tenacidade e coragem! Uma pessoa admirável que fez o que pôde para impedir que naquele dia 11 de dezembro a VALE recebesse a licença para continuar a operar e expandir o Complexo do Paraopeba!
Pouco mais de um mês depois daquele dia, em 25 de janeiro, a barragem rompeu!

E aí voltamos ao ponto inicial dessa Crônica, com toda essa trajetória e história, em prol da Vida e da Preservação, o Movimento das Águas e Serras de Casa Branca é injuriado e atacado, tem sua legitimidade e confiabilidade questionadas, por pessoas que sempre se mantiveram omissas e caladas diante das violações, agressões e mentiras! Oportunismo, má fé, corrupção, o tempo irá dizer...
O importante é que seguimos forte, íntegros e comprometidos, mais do que nunca com a preservação e luta intransigente em defesa de nossas Serras e de nossa Água!
Sobre o Movimento, vale (ops) ainda dizer que possui uma organização horizontal, onde não há lideranças fixas, é suprapartidário, ou seja, não se identifica com nenhum partido político, é inclusivo, nele participam pessoas, em sua quase totalidade moradores de Casa Branca, de diferentes bairros e extratos sociais, com diferentes visões mas que somam e se respeitam, tendo na diversidade um de seus pontos fortes!
Desde o dia 25 de janeiro já realizamos inúmeras e importantíssimas ações mas deixarei isso para as próximas crônicas, a de hoje tinha essa urgente necessidade de contar a história do Movimento das Águas e Serras de Casa Branca e sua já histórica luta em defesa da Água e da Vida!
A Água á Sagrada! A Vida é Sagrada!               

sexta-feira, 1 de março de 2019

Crônicas da Água e da Lama I

A Água é Sagrada! A Vida é Sagrada!
E nem a Água e nem a Vida foram e estão sendo respeitadas!
Resolvi escrever essa crônica e que deverá ser a primeira de várias, pois é muita coisa que guardo no peito e na mente, após a tragédia ocorrida onde vivo, em Brumadinho.
É uma maneira de compartilhar sentimentos, experiências, impressões, de realizar denúncias e buscar compreender, nem que seja um pouco, do incompreensível, do injustificável, e alertar para o risco que estamos correndo, todos nós, e a urgente necessidade de mudarmos o atual paradigma de nossas relações com a Natureza e com nós mesmos!
A tragédia de Córrego do Feijão foi global! E um crime contra a Natureza e contra a Humanidade!
Mas é tanta coisa que tenho para dizer que vou começar expondo minha dificuldade em conseguir encontrar as palavras adequadas para expressar o que tenho visto e sentindo!
O que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019 mudou para sempre a minha Vida!
Nunca, jamais, pensei em ver e viver o que vi e vivi!
Moro com a minha Família em uma região de Brumadinho vizinha a Córrego do Feijão, onde se rompeu a barragem. Para se ter uma ideia, a mina Córrego do Feijão faz parte do chamado Complexo do Paraopeba, que tem também a mina da Jangada. A mina da Jangada, por sua vez já se encontra na localidade em que vivo, um maravilhoso e bucólico povoado chamado de Casa Branca.
Esses Complexos como o do Paraopeba, se formam pois as minas de exploração de minério de ferro vão crescendo tanto que uma mina começa a invadir o espaço da outra e ambas se juntam, formando os complexos!
Há inúmeros complexos de minas dessa forma aqui na região do Estado de Minas Gerais, conhecido como Quadrilátero Ferrífero, mas que cada vez deve-se afirmar e buscar a mudança de paradigma a partir da substituição do nome de Quadrilátero Ferrífero para Quadrilátero Aquífero! Isso porque a grande riqueza de Minas Gerais não é o Minério de Ferro! É a ÁGUA!
As Minas não são de Ouro, Diamante ou de Ferro, são de ÁGUA!
E onde vivo, Casa Branca, é um Santuário de Águas Puras, Limpas e Cristalinas, região montanhosa de inúmeras nascentes, as minas de águas, seriamente ameaçadas por vários motivos, mas a maior ameaça em termos de impactos diretos e proporção é a mineração de minério de ferro.
No dia do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora VALE no Córrego do Feijão, eu estava com a minha Família, com minha esposa e filhos em outra localidade, chamada de Catas Altas (também seriamente impactada pela mineração), junto com a minha Mãe que comemorava nesse dia o seu aniversário!
Estávamos nos divertindo e aproveitando momentos maravilhosos! Meu filho mais velho estava a cavalgar e minha esposa foi buscar seu celular (que estavam também de descanso) para tirar fotos de nosso cavaleiro!
Após as fotos, ela resolveu "espiar" o aparelho e sua fisionomia mudou! Ficou grave e séria! No aparelho haviam centenas de mensagens nos perguntando se estávamos bem! O que significava aquilo? O que havia acontecido?
Ela liga para uma pessoa conhecida e descobre o motivo por tantas pessoas estarem preocupadas conosco, a barragem de rejeitos de minério da mina da VALE próximo de casa havia se rompido!
Aqui começa a dificuldade em descrever o que senti e o que pensei! Pois palavras não alcançam o rompante e avalanche de sentimentos e pensamentos que me atordoaram e ainda atordoam, claro que em muito menor intensidade, passados já um mês e alguns dias após aquele 25 de janeiro!
Algo que me lembro de ter experimentado foi uma revolta e indignação por termos avisando e lutando tanto contra a expansão do Complexo do Paraopeba! Junto, confesso que veio também um sentimento de exultação por saber que a partir dali poderia acontecer o que sempre sonhamos e queríamos, que a mineração na região acabasse! Ora, se após o crime de Bento Rodrigues, a empresa se tornou reincidente, ela seria fatalmente e definitivamente condenada e não haveria como sustentar a mineração na região e quem sabe em toda a região do Quadrilátero Aquífero! Na quele momento eu já sabia que o que havia acontecido iria mudar tudo e para sempre!
Fomos até a casa da fazenda onde estávamos e todas as pessoas estavam em volta da TV para assistir o que havia acontecido. As imagens eram chocantes! A minha exultação se transformou em profunda tristeza ao mesmo tempo que um sentimento de irrealidade tomou conta de mim! Aquilo tudo não parecia real, parecia um sonho, ou melhor, um pesadelo.
Nesse momento, pela TV, fiquei sabendo que o rompimento da barragem havia impulsionado uma tsunami de lama sobre o Córrego do Feijão e os primeiros a serem varridos pela gigantesca onde de lama foram as dependências da própria mineradora, inclusive o refeitório que encontrava-se lotado de funcionários e prestadores de serviços pois era o horário do almoço!
Nessa hora me lembrei do que vivi no meio do ano passado!
Me lembrei que após anos de lutas contra essa empresa para defendermos nossas nascentes, nossa Água e nossas Montanhas (em outra crônica irei falar sobre essa luta), em 2018 aconteceu a Audiência Pública, etapa importante em um processo de licenciamento ambiental, para a proposta de expansão das minas da Jangada e Córrego do Feijão, o Complexo do Paraopeba.
Essa Audiência Pública aconteceu na Câmara do Vereadores de Brumadinho, na sede do município e foram disponibilizados ônibus para levar às pessoas das Comunidades impactadas pelo empreendimento à Audiência. Lembro-me que foi um ônibus cheio, de Casa Branca e Córrego do Feijão, mas perto da população total de ambos os povoados, éramos muito poucos!
Sabíamos que a expansão das minas significaria a morte. Mas confesso que temia a morte das nascentes e das fontes d'água! Não imaginava que a face da morte se manifestaria pelo rompimento da barragem de rejeito!
Para denunciar o risco de morte que representaria essa expansão das minas, pensei em algo para chocar as pessoas e sacudi-las para o grave risco! Assim, surgiu a ideia, inspirada nas pinturas de guerra pré-colombianas e máscaras mexicanas, de me pintar de caveira, a poderosa e assustadora face da Morte!
E assim fui para essa Audiência Pública!
Como mencionei há pouco, estávamos em um ônibus apenas, e ao chegar na Câmara, haviam mutos ônibus que trouxeram centenas de funcionários da mineradora para a Audiência Pública! Estávamos cercados por funcionários com o característico uniforme verde dessa empresa!
Mas não nos intimidamos! Com a presença de ilustres Guerreiras e Guerreiros que defendem a Água e a Vida, entre eles a incansável, íntegra e valorosa Teca, uma das maiores ambientalistas de Minas Gerais que, como sempre, realizou uma magnifica, consistente e séria defesa dos motivos que faziam com que esse empreendimento fosse considerado irresponsável, ilegal, imoral e irregular! Sim, eles sabiam de tudo! Foi realmente uma tragédia anunciada!
Muitas outras falas contundentes se seguiram às da Teca! E em todas ovacionávamos com vigor, eu inclusive tocando o Caracol, a trombeta de búzios que desperta os Espíritos das Montanhas e das Águas e que naquele ambiente e momento causavam ainda mais impacto, ainda mais sendo tocada por uma caveira! Isso tudo cercados de um exército de funcionários da mineradora!
A Audiência Pública foi se estendendo e após as falas de muitos ambientalistas e membros das comunidades, estavam inscritos muitos funcionários da VALE que começaram a elogiar os benefícios e maravilhas da empresa! Em todas as falas que escutei, me lembro de sempre exaltarem os empregos gerados pela mineração. Uma fala em particular me marcou, a de uma funcionária que disse que a VALE havia proporcionado seu sonho de fazer uma cirurgia!
Como já era tarde e vimos que não sairia daquilo, além da revolta de ver tantas pessoas exaltando uma empresa criminosa, que já havia matado em Bento Rodrigues, decidimos ir embora antes do final da Audiência Pública. Ao sair do salão onde acontecia o evento, ao passar por um verdadeiro corredor de gente uniformizada da VALE, resolvi tocar pela última vez naquela noite o Caracol!
Toquei, a caveira o tocou e a reação dos funcionários da VALE foi um sonoro riso e gargalhar de escárnio!
Foi isso tudo que passou pela minha cabeça quando soube que o refeitório da mina havia sido engolido pela lama no horário do almoço! Muitas daquelas pessoas presentes no dia da Audiência Pública, muitos que riram de nós, estavam, naquele exato momento, mortos! MORTOS!
É difícil descrever o que senti!

No dia seguinte, no sábado, 26, retornamos para Casa Branca, até para conferirmos se nossa residência havia sido atingida diretamente pela lama. Mas toda Casa Branca, milagrosamente se salvou! Todo o povoado, as nascentes, córregos e riachos, tudo estava intacto! E claro, também a nossa casa.
Procurei saber onde melhor poderia ser útil no apoio e ajuda e fui para a escola municipal de Casa Branca, a mesma onde fui, anos atrás, vice-diretor.
O que vi na escola foi chocante! O melhor e o pior do ser humano!
Mas isso deixarei para a próxima crônica da Água e da Lama!
Para encerrar essa primeira, quero trazer um acontecimento muito fresco! Ontem, dia 28 de fevereiro de 2019, fui novamente a uma Audiência Pública, dessa vez na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte, onde foi debatido o tema da Segurança Hídrica, uma vez que com o rompimento da barragem houve a contaminação e morte do Rio Paraopeba, o que coloca em risco o abastecimento de Água para milhares de pessoas em toda a região metropolitana de BH!
E logo no começo da sessão, somos surpreendidos pelo anuncio da exoneração do superintendente do IBAMA, senhor Júlio Grilo, um incansável defensor do meio ambiente e dos recursos hídricos! Um Guerreiro! Conselheiro do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, na região onde moro, e do famigerado conselho do COPAM, a Câmara minerária, ligado ao governo estadual de MG, que aprova e concede as licenças ambientais para os empreendimentos das mineradoras. Nesse espaço, Júlio Grilo era uma das vozes dissonantes, junto com a Teca, também conselheira, que. infelizmente sempre eram derrotados nas votações pelos demais conselheiros que parecem não importar em absolutamente nada com a Vida Humana e com a Natureza! Mas as reuniões do COPAM e Conselho do Parque do Rola Moça também ficam para as próximas crônicas!
Assim, Júlio Grilo, a você, lamentavelmente exonerado por ordem do ministro do meio ambiente do atual governo deste país que acumula equívocos e maldades, fica aqui meu agradecimento, reconhecimento e admiração! Por sua honestidade, retidão, coragem, valor e nobreza!
Um gigante! Ainda mais diante da pequenez de tanta gente cruel e medíocre!
Como se diz nos Andes, URPILLAY SONQOLLAY!

domingo, 12 de março de 2017

OS BENEFÍCIOS DO XAMANISMO PARA O TRATAMENTO DAS ADICÇÕES E TOXICOMANIAS

Xamanismo é um termo cunhado por antropólogos para definir um conjunto de práticas ancestrais de cura, êxtase, devoção e conexão com o transcendente. Esse conjunto de práticas é encontrado em todo o mundo, o que transforma o xamanismo em um fenômeno universal essencialmente humano. Suas origens remontam a 40 ou 50.000 anos atrás, no período paleolítico, o que o torna a primigênia forma do ser humano se conectar ao sagrado e a mais antiga prática espiritual da humanidade.

A expressão originou-se a partir da palavra “Saman”, que é a denominação dada pelos povos das estepes da Sibéria e Mongólia à pessoa, ao especialista, que domina e utiliza essas práticas ancestrais e detém o conhecimento e sabedoria ancestral relacionado às mesmas.

Entre os fundamentos do xamanismo estão o reconhecimento do sagrado e transcendente na diferentes manifestações de vida e respeito pela ecologia; a utilização dos inúmeros recursos naturais de cura oferecidos pela natureza, disponíveis nos reinos mineral, vegetal e animal; a relacionalidade e interconectividade de tudo; a necessidade de expansão da consciência humana e a comunicação com outros mundos, dimensões e realidades.

Atualmente, essas práticas e técnicas ancestrais apresentam-se como eficientes métodos para se curar inúmeros males do corpo e da alma, como a adicção em seus inúmeros aspectos e formas.

Na visão xamânica, a saúde é fruto de uma vida equilibrada. Quando qualquer área da vida encontra-se em desequilíbrio o resultado são enfermidades. Ao contrário, quando se vive em equilíbrio, experimenta-se harmonia, bem-estar, felicidade e paz, manifestando a beleza!

O processo de cura no xamanismo busca trazer de volta esse equilíbrio, que, por algum motivo, foi afetado em algum aspecto do ser: físico, emocional, mental ou espiritual.

Para se alcançar esse propósito, são utilizadas técnicas como “jornadas extáticas” (as viagens a outras dimensões da consciência, conduzidas pelo toque do tambor por ex.), cantos, defumações, banhos, plantas medicinais, pedras e cristais e inúmeras outras ferramentas. No contexto xamânico, qualquer meio que contribua para que o equilíbrio seja reestabelecido é chamado de “medicina”.
                         
Em minha prática de cura e experiência como terapeuta de medicina ancestral (xamanismo), pude testemunhar muitos sucessos no tratamento e auxílio à pessoas com adicções, principalmente o cigarro e drogas como o crack.

No trabalho de cura da adicção do cigarro, é utilizado o próprio tabaco, porém em um contexto ritual e de cura, fumado com reverência e propósito, demonstrando à pessoa uma outra maneira de se relacionar com o poderoso espírito do tabaco, a força espiritual da Planta do Tabaco que é utilizada milenarmente em todo o continente americano, no sul e norte, como um eficiente recurso de cura e comunicação com a dimensão espiritual.

Apresentar a uma pessoa com adicção em cigarro uma maneira diferente de relação com o Tabaco produz um efeito imediato e definitivo. Ironicamente é uma maneira de se parar de fumar fumando.

De maneira análoga, também foi obtido êxito no trabalho de cura da adicção de crack por meio de ferramentas xamânicas, no caso do crack, derivado da coca, Planta Sagrada e também de utilização milenar na extensa região Andino-Amazônica, são as folhas de coca, também em um contexto ritual, o principal instrumento da prática de cura xamânica. Neste caso, é realizada uma cerimônia tradicional de preparação de uma oferenda à forças e poderes de cura da Mãe Natureza, chamada na região andina de Pachamama.

Nessa Cerimônia pratica-se o AYNI, a Reciprocidade com as forças que sustentam a Vida e proporcionam saúde e bem estar. Na oferenda são colocadas folhas de coca, grãos, doces, incensos naturais e outros elementos simbólicos que visam agradar e alimentar as forças da Natureza. Durante todo o período de preparação da oferenda, se “masca” as folhas de coca para manter uma constante conexão com as forças da natureza e o espírito da Planta.

Além dessas práticas, também testemunhamos a eficácia da cerimônia da Tenda do Suor ou Temazkal[1] no auxílio e tratamento a adicções múltiplas, incluindo drogas, álcool, doces e outros.

A Tenda do Suor é uma terapia milenar usada pelos povos indígenas, e consiste de uma Sauna Sagrada onde os participantes recebem uma profunda limpeza no corpo físico, emocional, mental e espiritual.

Essa terapia auxilia na cura de doenças agudas e crônicas, estimula os órgãos e limpa toxinas acumuladas por medicamentos, produtos químicos, alimentação inadequada, fumo e bebida alcoólica. Promove uma limpeza sanguínea, estimulando as glândulas. Em 50 minutos é eliminado um litro de suor com toxinas, ácido úrico, colesterol e gorduras.

O Temaskal também é eficaz para obesidade e o rejuvenescimento da pele, limpa os seios nasais e paranasais através dos vapores aromáticos de plantas curativas. Alivia sinusites, catarro, asma e bronquite. Seu efeito relaxante combate a insônia e o stress.

Porém, todo o processo de limpeza do corpo físico e desintoxicação promovidos pelo Temazkal são apenas a primeira parte do processo de cura!

A Tenda do Suor estimula processos de transformação internos, alcança pontos no mais íntimo de uma pessoa, o contato com o silencio propicia uma Paz que preenche e acalma, permitindo ir fundo em dores e medos. O escuro, o local fechado, a permanência em uma posição aparentemente incômoda, o calor, são fatores que levam ao despertar de diversos sentimentos. Uma cerimônia de Temazkal possibilita a consciência de que somos capazes, elevando a alta-estima e valorizando a pessoa, trazendo novo ímpeto e estímulo para a sua recuperação.

No Temaskal, a pessoa entra em contato direto com os elementos da natureza (água, terra, fogo e ar), simbolicamente a Tenda representa o Útero da Mãe Terra, promovendo um processo de renascimento em todos os participantes. O ambiente interior da Tenda reproduz as condições do útero materno, é quente, escuro e úmido. Os toques do tambor que acompanham o decorrer da cerimônia, marcam o batimento acelerado do coração de um bebê. 

Portanto, a Tenda é a terra, a casa onde entramos, o solo no qual deitamos o corpo e entregamos nossas dores, é o que nos acolhe. O fogo de uma fogueira exterior esquenta pedras que entrarão incandescentes e serão depositadas no centro da Tenda. A água vertida sobre as pedras quentes transforma o calor contido nas mesmas em vapor, que toca o corpo abrindo nossos poros e permitindo à “medicina” das pedras curar. O vento é o que nos refresca e nos dá vida, cada vez que a porta abre para recebermos mais pedras e, finalmente, quando renascemos, saímos da tenda completando nosso parto! Uma nova oportunidade, um novo tempo, um recomeçar. Neste ponto, observar-se que a pessoas com qualquer adicção encontra uma nova possibilidade de vida, desperta sua fé e consolida seu propósito de cura.



[1] Palavra na língua indígena Nauatl, originária do México, que significa “Casa de Limpeza ou de Purificação”.

domingo, 29 de janeiro de 2017

AYNI – A Reciprocidade como um princípio ético

Templo das "Manos Cruzadas", em Kotosh, cerca de 5.000 anos de antiguidade. Mãos na posição cruzada são um símbolo na região andina do princípio de reciprocidade - AYNI
Na dinâmica cíclica da vida, um movimento harmonioso e harmonizador se faz presente ao se manifestar no balé do equilíbrio entre doação e entrega, dar e receber.
Tomar e receber, inspirar e expirar, oferecer e aceitar.
Trocar pode ser visto como o próprio ato de viver.
Dar e Receber estabelece um vínculo e conexão que nos interliga a tudo e a todos, a teia da vida, círculos concêntricos, o campo morfogenético, infinitas possibilidades de trocas e relações!
Reconhecemos, honramos e reverenciamos esse movimento realizando a ação recíproca, dar e receber como um princípio ou fundamento ético. Uma Ordem que tem sua origem no Amor.
A busca pelo equilíbrio entre Dar e Receber encontra-se presente em muitas culturas e tradições, de diferentes povos dos quatro cantos da Mãe Terra.
Na milenar cultura e tradição andina, esse princípio de reciprocidade é chamado de AYNI.
Ainda hoje é um dever ético e uma obrigação para as comunidades tradicionais andinas e membros dessas comunidades, praticarem o Ayni, a reciprocidade.
Na desafiadora e extensa região andina, a ajuda mútua, solidariedade e cooperação, “hoje eu lhe ajudo, amanhã serei ajudado”, a força e capacidade de realização do coletivo, foram essenciais para o desenvolvimento de grandiosas civilizações que se levantaram e prosperaram, mesmo nas condições mais adversas. Desde os primórdios das primeiras civilizações andinas, tão antigo quanto o princípio do Ayni, surgiu na região Andina o AYLLU, que é o conceito de comunidade, povo, tribo e clã. A forte identidade coletiva se sobrepõe à individual, o sujeito encontra significado, sentido e realização no grupo, no sistema ao qual ele pertence. 
E não apenas se estabelece o vínculo e o ato da troca com os outros seres humanos, mas também com os demais seres e dimensões, de qualquer tempo e espaço. Nos Andes, ainda hoje, as pessoas se relacionam com as Montanhas, os Rios, as Nuvens, o Vento, as Águas. Assim como a Terra, a Semente, o cultivo e o cuidado que nos dá o alimento e a fartura. As forças da natureza e a sabedoria dos ancestrais. Todos emparentados compondo um gigantesco Ayllu. 
A continuidade do princípio de reciprocidade perpassou sucessivas civilizações, culturas e povos no decorrer de milênios na América do Sul. Na época do encontro com o universo ocidental cristão, com os homens da Europa medieval/renascentista, a região andina vivia o apogeu da civilização inka.
Mas muito antes do que os inkas, a se perder na noite dos tempos, esse princípio já era respeitado e seguido. Em construções sagradas de mais de 5.000 anos de antiguidade encontram-se referências e evidências da prática do Ayni.
Pelo Ayni se reconhece a precedência e grandeza das forças da natureza que são reverenciadas e recebem o que lhes é de direito que pode ser expresso por meio de uma oferenda ritual, uma retribuição no âmbito do invisível, entregando a essas forças uma representação simbólica do mundo, que celebrem e invoquem a fertilidade, saúde e bem estar, que tragam a força da própria vida!
A prática do Ayni nos proporciona a oportunidade de contribuir com a manutenção e a ordem de todos os sistemas ao qual pertencemos. Seja o nosso corpo, nossa família, a comunidade, a nação, a humanidade, o planeta e o cosmos.
O sentimento do Ayni é a gratidão, oferta-se reconhecendo que é uma retribuição de agradecimento pelo o que já foi entregue. O agradecimento contempla a saúde, fertilidade, chuvas, colheita, prosperidade, abundância e a própria vida.
Quando este princípio é rompido ou transgredido, o desequilíbrio se faz presente e manifesta desordem, transtorno e enfermidades. Para reequilibrar o sistema é necessário a reconciliação, incluindo o que foi esquecido ou desprezado, reconhecendo e reverenciado o que é maior e veio primeiro.
Para a tradição andina, quem vieram primeiro foram as montanhas, os lagos e o oceano, as nuvens e as águas primordiais, o Sol, a Lua e as estrelas, avós e avôs de tempos imemoriais, ancestrais de outros tempos e mundos. Todo o cosmos, a Pachamama.
A eles se roga e se oferenda para que haja o Ayni, para que se tenha uma vida equilibrada e próspera, a eles se entrega para que se receba!
Incluindo os diversos mundos, reinos e dimensões o princípio que estabelece o fundamento das infinidades possibilidades de relações é o Ayni, a reciprocidade.
É o mesmo princípio que vemos nos povos nativos do norte, que seguem a Boa Estrada Vermelha, quando ofertam um pouco de tabaco, por um rezo, uma dádiva, uma vida, expressando Mitakuye Oyasin - todos somos parentes, em todas as nossas relações.

Reconhecendo que este é um princípio e ordem universal, podemos aplicar esse ensinamento por meio de um comportamento recíproco, buscando reconhecer e honrar a troca e a dinâmica de dar e receber em todas as nossas relações. Assim, por meio do Ayni, a vida torna-se harmônica, bela e equilibrada, alcançamos o Sumaq ou Allin Kawsay, uma “Vida Bela e Boa”. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

CONSTELAÇÃO FAMILIAR E XAMANISMO - Um rico e interessante diálogo!

Um interessante e rico diálogo pode ser estabelecido entre a milenar sabedoria, práticas e técnicas de cura ancestrais, de diferentes tradições nativas, o que convencionou-se chamar por xamanismo, e os fundamentos das Constelações Familiares Sistêmicas de Bert Hellinger.
A começar pelo fato de que, uma das inspirações de Bert Hellinger, para criar a técnica das Constelações Familiares, veio do povo africano Zulu, com o qual ele teve contato e conviveu durante a época em que era missionário católico na África do Sul.
Nas palavras do próprio Bert Hellinger:
“Primeiramente, o respeito que eles (os Zulus) mostram por seus pais. Isso me impressionou muito. Também a segurança com que as mães lidam com seus filhos era impressionante. Dificuldades com filhos é algo que não conhecem. Simplesmente sabem do que as crianças precisam. As mães eram sempre dedicadas. Outra coisa que tomei de lá foi o respeito diante do próximo. Lá cada um pode preservar sua reputação. (...) O importante para mim foi sempre o crescimento interno. Minha experiência na África contribuiu grandemente para isso”.B e r t  H e l l i n g e r - “U m  L u g a r  p a r a  o s  E x c l u í d o s”
O respeito e reverencia à ancestralidade, o direito de pertencimento ao grupo por parte dos indivíduos e a importância e ênfase dada às trocas e à reciprocidade são elementos que caracterizam não apenas aos Zulus mas a muitos outros povos, culturas e tradições primigênias (ainda chamadas por alguns de primitivas), que seguem com esses valores fundamentais que, quando são suprimidos, os atira em profundas crises de caráter ético e moral, levando à confusão da identidade individual e coletiva.
É preciso que se diga que os fundamentos do inovador processo terapêutico de Constelação Familiar Sistêmica, de Bert Hellinger, são encontrados e caracterizam a tradição e a cultura de muitos povos! Ao estabelecer as chamadas “Leis do Amor”, Bert Hellinger não inventou a roda, mas criou um veículo perfeitamente adaptado (e necessário) às pessoas do mundo globalizado.
Nas Constelações Familiares, é o terapeuta, também chamado de constelador, que se coloca a serviço e que, por meio da técnica, segue um roteiro pelo qual o Sistema Familiar do cliente (ou constelado), o Campo, irá se manifestar. Nos povos “antigos”, quem assume essa função é o ou a xamã!
Detentor de muitos saberes, contador de histórias (Bert Hellinger é grande apreciador do recurso terapêutico e pedagógico das histórias), especialista e profundo conhecedor dos meios para se alcançar a cura e reestabelecer a saúde, seja no âmbito físico, espiritual, emocional ou psicológico, o xamã (ou a xamã) buscava por diferentes recursos reequilibrar e harmonizar o que está fora de ordem. Ora, e um dos objetivos das Constelações Familiares não é exatamente esse? Identificar que Ordem do Amor foi transgredida, gerando um desequilíbrio no Sistema Familiar e na vida da pessoa e buscar, por meio da técnica, reequilibrar esse Sistema! Colocar em Ordem o que está desordenado!
As Leis ou Ordens do Amor de Bert Hellinger podem ser sintetizadas assim:
1-    Pertencimento: todo indivíduo tem o direito a pertencer ao Sistema, portanto todos devem ser incluídos.
2-    Hierarquia: os mais antigos vem primeiro, os mais novos vem depois.
3-    Equilíbrio entre Dar e Receber: o balanço dinâmico e harmônico nas trocas e nas relações.
Quando alguma dessas Ordens é transgredida, surgem problemas e enfermidades.
O mesmo se vê no processo de cura do xamanismo e em tradições e culturas ancestrais!
Para muitas tradições, o direito de pertencimento, a primeira Ordem do Amor, é primordial e para alguns povos, a identidade coletiva, a comunidade, sobrepõe-se ao indivíduo! Algo que pode soar até mesmo estranho em uma época tão individualista como a que vivemos!
Além disso, predomina em muitos povos nativos o caráter inclusivo que se sobrepõe à exclusão. No âmbito espiritual, por exemplo, a aceitação do cristianismo por muitas tradições ameríndias e africanas foi relativamente fácil por seu caráter inclusivo, o que contrastava e se chocava com o excludente dogma do monoteísmo ético e de uma religião de verdades absolutas, princípios propagados e defendidos até mesmo por meio da violência por parte dos zelosos responsáveis por evangelizar e converter milhares de seres humanos à “verdadeira fé”, no caso, o cristianismo.
A qualidade inclusiva dessas tradições e povos se fez presente, apesar da brutalidade do processo de conversão, nos fenômenos da mestiçagem e do sincretismo, algo muito comum nos países latino-americanos por exemplo, onde os santos e entidades católicos encontram seu análogo em divindades pré-colombianas ou africanas. Somente tradições inclusivas poderiam adotar o culto às Mamachas Andinas (associação da Virgem católica às Montanhas Sagradas e à própria Pachamama, a Mâe Terra dos índios) ou à identificação dos Santos da igreja com os Orixás africanos.
Já a Hierarquia, a segunda Ordem do Amor, apresenta-se com muita força e vigor no respeito, reverência e, em alguns casos, culto aos ancestrais. Desconheço uma cultura tradicional que não apresente essa qualidade! Para muitos povos nativos, o que os mais velhos dizem assume o caráter de lei. Em algumas culturas, os ancestrais são tão respeitados que continuam, mesmo após a morte, a participar ativamente da vida cotidiana dos vivos! Em algumas culturas pré-colombianas, os mortos eram mumificados e participavam de eventos sociais, cerimônias e até mesmo julgamentos e conselhos de guerra! Outro exemplo fascinante encontra-se na colorida e alegre Festa do Dia dos Mortos em países como o México, onde os ancestrais são convidados a se banquetear junto com os vivos.

Quanto ao equilíbrio entre Dar e Receber, a reciprocidade encontra-se como um princípio ético e um dever em muitas culturas e povos. No caso do xamanismo, esse fundamento que norteia as relações não é exclusividade dos seres humanos, mas alcanças a relação com todos os seres, reinos e dimensões, como diz a expressão indígena Lakota: “Mitakuye Oyasin - Por Todas as Nossas Relações”.  
Um exemplo muito interessante é a continuidade desse princípio de reciprocidade que perpassou sucessivas civilizações, culturas e povos no decorrer dos milênios na América do Sul. Na época dos inkas, a última grande civilização pré-colombiana sul-americana, esse princípio era chamado de Ayni. Ainda hoje é um dever ético e uma obrigação para as comunidades tradicionais andinas e membros dessas comunidades praticarem o Ayni, a reciprocidade, hoje eu lhe ajudo, amanhã serei ajudado! Graças a esse princípio, grandiosas civilizações se levantaram e prosperaram, mesmo nas condições mais adversas (o que é o caso da extensa região andina).

Mas ao invés de diminuir a contribuição de Bert Hellinger, reconhecer que as Ordens do Amor já eram conhecidas e respeitas há milênios e que, em nosso desequilibrado mundo moderno, elas se fazem necessárias e urgentes, traz mais força e valoriza a contribuição desse genial terapeuta, filósofo, poeta e pedagogo alemão. O mundo hoje clama por Ordem!
E se para muitos, a prática do xamã ainda encontra-se no âmbito das crendices e superstições, o caráter científico presente na pesquisa e técnica das Constelações Familiares apresenta-se aceitável para muitas pessoas, tantas que atualmente a técnica de Bert Hellinger está em quase todo o Planeta!
Por vezes a aproximação é grande e tornam-se tênues os limites e separações entre uma sessão de Constelação Familiar e práticas espirituais e espiritualistas (o próprio Bert Hellinger pratica, assim como muitos outros consteladores a chamada “Constelação do Espírito”), e isso não é negativo, afinal um dos princípios da Constelação é a inclusão e seria incoerente excluir o espiritual.
Nessa perspectiva, a sabedoria e técnicas das antigas tradições, o xamanismo, pode contribuir e muito com as Constelações! Há muitos pontos de convergência e onde abre-se uma lacuna de uma das técnica, a outra apresenta-se para a complementar.
É muito interessante o fato de que no xamanismo sempre encontramos altares com uma grande variedade de objetos e instrumentos de poder. Ora, em muitos altares xamânicos, esses objetos tornam-se uma representação simbólica do universo, do cosmos, nada mais sistêmico!
Para o xamanismo, o universo é sistêmico e absolutamente tudo encontra-se interligado, como se todo o universo fosse como uma teia de aranha, ou se preferir, o Campo Morfogenético de Rupert Sheldrake.

Por ser inclusiva, a técnica das Constelações Familiares Sistêmicas apresenta-se flexível e permite a complementaridade de outras técnicas e práticas, sendo o xamanismo um recurso a oferecer inúmeras possibilidades.
Para tanto, é necessário equilíbrio e sobriedade para que o caráter científico das Constelações Sistêmicas não seja sobrepujado pelo caráter mágico do xamanismo e nem que o científico engesse ou negue a magia.
Mas que o terapeuta e a Terapia de Constelações Familiares Sistêmicas devem honrar e reverenciar o xamã e às tradições de cura e o saber ancestral, eles devem, afinal, o xamanismo é que veio primeiro.

sexta-feira, 13 de março de 2015

ANCESTRALIDADE E XAMANISMO

 Recordo-me que, há alguns anos atrás, conversava com um amigo, que já naquela época conduzia cerimônias ancestrais, sobre o termo “xamanismo”, o qual ambos compartilhávamos da visão de que estava bastante desgastado e era mau conhecido e “mau usado”, fosse por ignorância ou mesmo intenções não muito nobres.  
 Meu amigo possuía as bênçãos para conduzir a cerimônia de Tenda do Suor e era portador de um Cachimbo Sagrado, a “Shanupa”, recebidos após a realização de ritos na linhagem da Tradição do Fogo Sagrado de Itzachilatlán - FSI. 
 Ele dizia-me o quanto sentia-se incomodado quando as pessoas o chamavam de “xamã”, o que ele considerava não ser. O “título” soava-lhe distante da Tradição a qual era ligado e também recordava-lhe de maneira específica os indígenas das planícies dos atuais Estado Unidos, apesar de que o desenho cerimonial e os ensinamentos desses povos serem um dos que a Tradição do FSI fundamenta-se e adota.
 Eu contrapunha seu argumento, mesmo concordando em parte com ele. A confusão é grande, o termo é muitas vezes utilizado para designar o “especialista”, curandeiro e “sacerdote” das tribos das planícies do norte e de outras tradições nativas das Américas, porém sua origem é das regiões da Sibéria e Mongólia. Para alguns povos da América do Norte, são usados os termos “Homem Sagrado” e “Homem de Medicina” (também empregado pelo FSI).
 A partir da palavra “Saman”, denominação siberiana dada à pessoa que dominava e utilizava um conjunto de práticas ancestrais de cura, êxtase, devoção e conexão com o transcendente, foi cunhado, por antropólogos, o termo “xamanismo” e o praticante é chamado de “xamã”.
 Dessa forma, efetivamente, com exceção dos originários das estepes da Mongólia e da Sibéria, nenhum “xamã” é “xamã”! Nisso concordava com meu amigo e compreendia seu desconforto em ser chamado por esse nome.
 Por outro lado, tendo em vista a necessidade de nomes, rótulos e conceitos da sociedade moderna e a dificuldade de encontrar outra nomenclatura melhor, defendia a utilização do termo “xamanismo” por ser ao menos uma referência para muitas pessoas sobre essas práticas ancestrais. Se não fosse a palavra “xamanismo”, que outro termo podíamos utilizar? Ao menos, que “rótulo” ou conceito seria inteligível à grande maioria das pessoas? Chamar uma Cerimônia como a Tenda do Suor de “prática/ritual ancestral para cura, limpeza e conexão com o sagrado” seria mais acertado, porém dizer isso todas às vezes que se fosse fazer referência ao trabalho seria bastante desgastante, além de não traduzir para a maioria das pessoas o que significava. “Xamanismo” é muito mais prático!
 Assim, com muita franqueza, digo que “xamanismo” nada mais do que um “rótulo”, uma nomenclatura para englobar um universo amplo e múltiplo! Porém, com essa afirmação, não pretendo retirar do fenômeno “xamânico” (e consequentemente do “xamã”) sua sacralidade e importância.
 Naquela época da conversa com meu amigo eu já pensava assim e atualmente, mais do que nunca, esse tema deve ser abordado pois vejo a confusão cada vez maior, à medida em que o fenômeno “xamanismo” se expande e se difunde, multiplicando-se e replicando-se, surgindo “rótulos” e “derivados” como “neo-xamanismo”, “xamanismo urbano” e “xamãs de plástico”!
 Nesse ponto, parece ser importante uma definição de “xamanismo”, então, arregacemos as mangas e vamos lá!  
 Xamanismo é o nome dado à primigênia forma do ser humano se conectar ao sagrado, suas origens remontam a 40 ou 50.000 anos atrás, no período paleolítico. Como já foi dito, a palavra tem origem na Sibéria, e passou a ser usada pelos antropólogos para definir um conjunto de práticas ancestrais de cura, êxtase, devoção e conexão com o transcendente. Esse conjunto de práticas é encontrado em todo o mundo, o que transforma o xamanismo em um fenômeno universal essencialmente humano.
 Por sua antiguidade, o xamanismo pode ser considerado a mais antiga prática espiritual da humanidade, em seus fundamentos está o reconhecimento do sagrado e transcendente, o respeito pela ecologia, a relacionalidade e interconectividade de tudo, a necessidade de expansão da consciência humana e a comunicação com outros mundos, dimensões e realidades.
 O aspecto ecológico do xamanismo surge como o resultado do princípio de relacionalidade onde nada existe isolado, toda manifestação, fenômeno ou ser está conectado e interage com todos os outros aspectos da realidade ou realidades. Ele é fruto do estudo meticuloso, interação e aprendizado do ser humano com o “livro” sagrado de todas as tradições xamânicas: a Natureza!
 E por que, nos dias de hoje, segunda década do século XXI, o fenômeno “xamanismo” encontram-se em expansão? Para mim, a explicação é a própria natureza! O rompimento ou a ilusão de rompimento do ser humano com a natureza estão causando tantos danos às pessoas e ao planeta, que o xamanismo apresenta-se como um caminho espiritual coerente e atrativo ao anseio pelo reequilíbrio nas relações entre a espécie humana e o seu entorno!
 A atual crise em todas as áreas da vida humana global nos leva a buscar respostas em algo sólido e que já foi “testado” no passado e que nos traga respostas e amenize a angustia e o vazio da vida moderna. E o que melhor do que algo que já foi usado e reconhecido como eficaz, trazendo resultados efetivos à milênios!?
 Além disso, coerente com a visão cíclica da Natureza e a lei do “Eterno Retorno”, o conhecimento e a sabedoria ancestral retornam para trazer saúde e paz à tribo humana e honrar o rezo e as profecias dos antigos!
 Mas, voltando uma vez mais à conversa com meu amigo, feita há tempos atrás, o fato de ser uma nomenclatura confortável para definir o fenômeno, não faz do “xamanismo” e do “xamã” algo banal e isento de sacralidade e respeito, muito pelo contrário.
 E aí chegamos em um dos pontos principais, pilar e fundamento do fenômeno “xamânico”, a “Ancestralidade”!
 Compreendo e aceito muitas pessoas como terapeutas, curadores e espiritualistas dizerem que fazem uso de recursos “xamânicos” e do “xamanismo”, porém é difícil de “engolir” a grande quantidade de “xamãs”, “iniciações” e “escolas xamânicas” sem relação alguma com nenhuma Linhagem ou Tradição Ancestral!
 Como um(a) xamã moderno(a) pode se chamar assim, se carece de uma linhagem ancestral legítima ou não se insere em uma Tradição sólida e reconhecida?
 Apesar de muitos desses “xamãs” terem uma prática fundamentada no conhecimento dos antigos, lhes falta a solidez, o apoio e a legitimidade de uma Tradição. É a isso que chamamos de “linhagem”, pois, como uma “linha”, une o passado ao presente. A experiência acumulada, muitas vezes por milênios, chega à atualidade e se manifesta na pessoa daquele que a representa e que, principalmente por meio de ritos, iniciações e por merecimento, conquistou o acesso à Sabedoria e à Força da Tradição.
 Por outro lado, muitos do ditos “xamãs” atuais, aprenderam por meio da leitura de livros, faltando-lhes o aspecto prático e a experiência “concreta”, ou receberam seu “título” em “iniciações/workshops de final de semana”,
 É claro que a conexão com as forças da Natureza, Espíritos Guardiões, Poderes das Quatro Direções, a Energia Primigênia, o Criador, Deus, Grande Espírito e com a Mãe Terra não são exclusividade de uns poucos e privilegiados eleitos! Porém, verdade seja dita, quantos andam se afirmando os intermediários dessas forças e poderes sem terem o suporte, amparo e apoio dos que trilharam esse Caminho antes de nós?
 Se o Xamanismo se entende pela Natureza, usemos uma analogia com a Natureza, que árvore cresce forte, frondosa, floresce dá bons frutos se não possui raízes igualmente forte e proporcionalmente grandes?
Atualmente existem muitos “xamãs” sem raízes! E o pior, muitos a segui-los em busca de cura e “bons frutos”!
 É possível uma pessoa se curar e encontrar o que busca guiado por tal “xamã desraizado”? Claro, como já disse, a conexão com o sagrado não é propriedade de ninguém. Porém, os frutos, apesar da boa aparência inicial, dependendo da origem, podem ser amargos no final.
 Compreendo que trilhar esse Caminho não é inventar a roda! É caminhar com carinho e firmeza na Mãe Terra, honrando o Caminhar de Todos(as) que Caminharam antes de nós! Se não houver a Ancestralidade, é outra coisa, mas não Xamanismo!
 Reconhecer a Sabedoria e os ditames dos que vieram antes de nós, isso é muito Belo! Honrar os antigos, nossos pais e avós, a Ancestralidade presente em uma linhagem humana e nos outros reinos, reconhecendo-nos parentes das plantas, dos animais, das rochas e filhos da Terra!
 Muitos, nos milênios de práticas, já “testaram” fizeram um Caminho, retornando para nos dizer o rumo a seguir.
 Certa vez escutei um Homem de Medicina dizer: “Nesse Caminho não há atalhos!” E aí como fica o “Xamanismo Fast Food”? De “iniciações” rápidas e de teorias vazias de práticas? Cheio de atalhos e pressa? Algumas vezes buscando, da mesma forma, resultados imediatos e egoístas, sem se pensar a Coletividade e o Bem Comum, mesmo quando proclama: “Por Todas as Nossas Relações”?
 Um “xamanismo” que pede Prosperidade material esquecendo-se que outro “fundamento xamânico” é o reconhecimento da relacionalidade dos opostos complementares! Ou seja, para se pedir para a Matéria, é necessário o Espírito! Sem isso não há Equilíbrio!
 Senti de escrever esse texto após constatar tanta desinformação sobre o termo “xamanismo” e pior, tanto desrespeito aos antigos, às Tradições Ancestrais e à Sabedoria deixada por Avós e Avôs!
 Por fim, lembro-me de um ensinamento que sintetiza outro “fundamento xamânico”, a Humildade: um verdadeiro xamã, muitas vezes, não se auto intitula como tal!
 E aí me lembro do desconforto de meu amigo e, hoje, partilho desse sentimento.
 Por outro lado, afirmo com muito orgulho, respeito e humildade que trabalho com Xamanismo!
 Por Todas as Nossas Relações e em respeito e reverência aos nossos Ancestrais e Avós e Avôs desse Caminho!
 Eu sou Ka Ribas e assim falei!
 Aho Metakiase!

quinta-feira, 5 de março de 2015

XAMANISMO

O QUE É XAMANISMO?
Xamanismo é o nome dado à primigênia forma do ser humano se conectar ao sagrado, suas origens remontam a 40 ou 50.000 anos atrás, no período paleolítico. A palavra tem origem na Sibéria, e passou a ser usada pelos antropólogos para definir um conjunto de práticas ancestrais de cura, êxtase, devoção e conexão com o transcendente. Esse conjunto de práticas é encontrado em todo o mundo, o que transforma o xamanismo em um fenômeno universal essencialmente humano.
Por sua antiguidade, o xamanismo pode ser considerado a mais antiga prática espiritual da humanidade, em seus fundamentos está o reconhecimento do sagrado e transcendente, o respeito pela ecologia, a relacionalidade e interconectividade de tudo, a necessidade de expansão da consciência humana e a comunicação com outros mundos, dimensões e realidades.
O aspecto ecológico do xamanismo surge como o resultado do princípio de relacionalidade onde nada existe isolado, toda manifestação, fenômeno ou ser está conectado e interage com todos os outros aspectos da realidade ou realidades. Ele é fruto do estudo meticuloso, interação e aprendizado do ser humano com o “livro” sagrado de todas as tradições xamânicas: a Natureza!
“Os ancestrais xamânicos viviam em harmonia e equilíbrio com todos os seres, pedras, plantas, animais, pássaros, peixes e até insetos. Para garantir sua sobrevivência em ambiente hostil, os homens primitivos interpretavam os sinais e as mudanças da natureza a seu redor. Viviam de acordo com os ciclos do Sol e da Lua, das mudanças das estações, das manifestações da natureza, com o vento, a chuva, etc.” Leo Artese
Essa profunda, íntima e simbiótica conexão do xamanismo com a natureza o converte em uma espiritualidade ecológica ou, se preferir, em uma ecologia espiritual!
Talvez seja por isso que nos dias de hoje, em pleno século XXI de tecnologias cada vez mais alucinantes/alucinadas, o xamanismo e as práticas e tradições xamânicas estejam tão “em alta”! Isso porque o rompimento ou a ilusão de rompimento do ser humano com a natureza estão causando tantos danos às pessoas e ao planeta, que o xamanismo apresenta-se como um caminho espiritual coerente e atrativo ao anseio pelo reequilíbrio nas relações entre a espécie humana e o seu entorno!
Na visão xamânica, o equilíbrio é alcançado por meio de relações saudáveis. Relações saudáveis são aquelas baseadas no respeito e na reciprocidade. E relações saudáveis devem ser estabelecidas em todos os níveis, com todas as formas de vida e todos os seres!
Assim, “caminhar” com equilíbrio, harmonia e beleza é estabelecer relações saudáveis com os outros seres humanos, consigo mesmo, com os deuses, divindades e potências cósmicas, com a natureza e os reinos mineral, animal e vegetal.

É por isso que muitas pessoas que buscam práticas ancestrais e trabalham com o que se convencionou chamar por Xamanismo tem o costume de dizer a expressão “Por Todas Nossas Relações”! Uma afirmação genérica e profunda, quando compreendemos a importância de cultivarmos relações saudáveis!
POR TODAS NOSSAS RELAÇÕES!